CENA 1
(Escuridão completa. No exato instante em que a música de abertura termina, começa-se a ouvir a voz de Diogo, em volume crescente, repetindo "Não, por favor não, eu não quero isso", etc, até que a luz se acende sobre ele e ele assume um tom defensivo.)
DIOGO: Era o começo da primavera. A gente… era um sábado azul, muito azul, o céu muito limpo, o sol forte, a gente… a gente era um casal jovem querendo aproveitar o fim de semana perto da praia… No princípio, era só isso, uma tarde quente, eu era… (Luz sobre Karina.) E era só nós dois, você lembra?
KARINA: Lembro.
DIOGO: Aquele céu azul, foi quando a gente conheceu o Ludo, né, amor? (Luz sobre Ludo, que acena para a plateia.)
KARINA: O… Não, o… Quem chegou antes foi o L. (Luz fraca sobre L, inquieto em algum tablado de transição.)
DIOGO: Será? Ele já chegou…?
KARINA: Sim, o… Ele… É, pois é, ele já chegou…
DIOGO: Ele veio antes.
KARINA: Primeiro, é. (Apaga a luz sobre Ludo.) Já veio louco atrás da Pâmela.
DIOGO: Procurando a Pâmela.
KARINA: É. Não, ele já achava que ela estava com o outro.
DIOGO: Ele já veio procurando briga, eu tentei acalmar.
L: Acalmar o quê?
KARINA: Eu tentei ajudar, também, mas apareceu a Helena.
(Luz sobre Helena, no mesmo lugar em que antes estava Ludo, e ela repete exatamente o mesmo gesto que ele tinha feito: acena para o público.)
L: Eu tenho certeza que essa vagabunda…
HELENA: Ei, olha essa língua!
KARINA: Pode parar. Falou em vagabunda, eu já sei que é um babaca machista da porra.
L: Ela está aqui. Ela veio pra cá com outro homem.
DIOGO: A Karina saiu dali com a amiga nova e me deixou tomando conta do cara. (Karina vai se juntar a Helena e as duas somem.)
L: Eu não preciso de ninguém que tome conta de mim, não. Essa vagabunda que vai ter o que ela merece, é só isso.
DIOGO: Ei, não fala assim dela.
L: Você nem conhece essa puta!
DIOGO: Eu sei. Não conheço, mas não tem necessidade…
L: Então, meu irmão… Eu vou fazer… Claro que tem necessidade, eu vou fazer ela pagar.
DIOGO: Ela não é tua, você acha que ela é tua?
L: Eu não… Cala a boca, eu vou te arrebentar na porrada daqui a pouco, hem?
DIOGO: A Karina ficou horas longe, ela desapareceu completamente.
L: É você que se esconde atrás de mulher, você gosta de ser mandado? Você acha que tudo bem, se você encontrasse a tua mulher com outro você não ia querer matar a filha de uma puta?
DIOGO: Eu… Olha… Eu não sei como eu consegui segurar esse cara ali por tanto tempo, ele ia…
L: Eu quero matar. É claro que eu quero matar.
DIOGO: Daí que apareceu o Ludo.
LUDO: Eu moro aqui perto.
DIOGO: A Karina achou que você estava aqui desde o começo.
LUDO, distraído: É… eu... estava?
DIOGO: Estava?
LUDO: Ah. Mania. Eu falo por causa de como as palavras soam, eu acho.
DIOGO: Deve ser, é.
L: Eu já tinha esperado demais, eu sabia que tinha uma casa ali perto onde ela podia estar.
LUDO: Você sabia como, meu amigo, me fala.
L: Eu não sou teu amigo. Não interessa, eu sabia.
LUDO: É intuição.
L: Eu paguei um cara.
MANO, entrando: Eu queria só… matar esse cara!
DIOGO: Não, calma, não foi ele.
L: "Não foi ele" o quê? Do que é que vocês estão falando?
LUDO, para L: Você está no passado e ele já está no futuro, é isso que está acontecendo.
L: Não, eu sei, eu entendi, isso é uma peça de teatro e a gente está só contando essa história toda, né?, mas o que… passado? Por que "não foi ele", o que você está querendo dizer?
KARINA: A Helena desapareceu.
L: Não, espera, agora a gente está falando de uma coisa importante, aqui.
KARINA: A minha amiga sumiu. Ela estava comigo.
DIOGO: Então a Karina decidiu que tudo tinha sido culpa do Ludo.
KARINA: Ela… Para de narrar a minha vida! A Helena desapareceu um pouco antes desse cara aparecer.
L: O que é isso, você veio roubar minha cena?
DIOGO: A cena era minha, pra começo de conversa. Agora eu não posso mais nem narrar os acontecimentos.
KARINA: Uma mulher desapareceu e você só pensa no teu chifre.
LUDO: Você está falando de uma pessoa que não existe.
DIOGO: Vocês nem tiveram essa conversa! Chega disso! Não deu tempo dela dizer que a Helena tinha desaparecido, ela já voltou partindo pra cima do Ludo, brigando, a gente não entendeu direito o que tinha acontecido, mas foi aí que a Pâmela apareceu.
KARINA, mordaz: Com o amante?
DIOGO: Não… Ainda não logo de cara. Quer dizer, todo mundo esperava isso mesmo, mas no começo veio só ela.
MANO: Não, chega. Para. Isso precisa parar, eu não aguento. Eu… me desculpem, eu não quero reviver esse dia. Por que vocês todos se juntaram para relembrar isso? Que tipo de crueldade… (interrompe-se ao ver Pâmela. Ao longo das falas seguintes, ele vai mergulhando nas sombras, sem tirar os olhos de Pâmela, até desaparecer.)
PÂMELA: Eu não posso morrer, depois dessa tarde. Eu acabei de nascer.
L: Ah, mas eu vou matar essa vagabunda!
DIOGO: Não, calma, não foi assim que aconteceu, não foi isso. A gente não deixou ele chegar perto dela. Eu e o Ludo, a gente… Ludo? Cadê o Ludo? (Ludo não está mais em cena.)
HELENA: Você está falando de uma pessoa que não existe.
L: Alguém… Já chega! O que é isso, é um filminho da Disney? Comercial de margarina? É lindo olhar aqueles dois, o jeito que os olhinhos dele brilham ao olhar para a minha mulher. (Sacando a arma.) O que me impediu de sacar a arma naquela mesma hora? Eu não estava vivendo o personagem? Eu não tinha ódio bastante?
KARINA: Então a Helena voltou e a gente ficou em volta da Pâmela por um tempo, meio que protegendo ela, porque estava na cara que o L ia fazer uma idiotice a qualquer momento.
L: Eu devia ter atirado em vocês duas também. Ele… Olha lá, você não está enxergando? A tua mulher está apaixonada por aquela outra ali, você não está vendo? Você deveria dar um tiro na cara das duas também.
DIOGO: Não foi… eu… Olha, a tua mulher está sozinha, não tinha por que se preocupar.
(Pausa breve.)
L: Apaixonada por outra. (Luz se apaga, ficam somente as três mulheres.)
PÂMELA: Hoje eu decidi deixar meu marido. Foi uma coisa que ele disse sobre o dinheiro. E sobre estar certo. Ele disse que eram as únicas coisas que importavam: dinheiro e estar certo. Eu tinha recebido uma proposta em um ramo que ele desaprovava e ele disse que não ia dar certo, que eu nunca ia ter nada nessa minha vidinha de merda. Acho que foram essas as palavras que ele usou. E eu decidi que nunca mais ia voltar pra casa.
(Luz se apaga sobre ela e agora permanecem apenas dois focos sobre Karina e Helena.)
HELENA: É verdade? Você se apaixonou por mim nesse dia?
KARINA: Eu… Não, eu não sabia ainda. Eu acho. (Silêncio.) Não, eu acho que eu me apaixonei, um pouco, mas com tudo o que aconteceu depois, eu… (Pausa.) Eu estava completamente apaixonada.
(Apagam-se todas as luzes, exceto por um último foco, muito pequeno, no rosto de Helena, que é replicado em todos os telões, sério, a princípio, até que abre um grande sorriso.)
(Blecaute. Música.)
Um comentário:
😳😳😳😳😳. E agora???? Continue👏👏
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