sábado, 19 de março de 2022

CENA 3

(No meio da confusão de luzes, música e ruídos, L continua gritando, até que as luzes se acendem e todos os sons cessam de repente. L está no meio da plateia, gesticulando enfurecido. Todos os outros estão espalhados pelos diferentes palcos, exceto por Helena, que não está em lugar nenhum.)

L: Chegou! Parou! Acabou essa palhaçada aqui, o que que é isso?! Isso aqui é um daqueles programas de auditório que as famílias que têm problemas vão pra lavar roupa suja em público, por acaso? Ridículo, ninguém quer saber. Isso é patético, o que é isso? O cara veio te contar como que ele foi pra cama com uma mulher comprometida e você fez o quê, você derramou uma lágrima? Essas que são as liberdades que vocês querem dar pras pessoas? Aí o cara que se sente ofendido com isso e reage é que está errado?

KARINA: Você que está distorcendo os fatos.

L: Ah, claro, é a narrativa do amor inocente. Que lindo, nenhum dos dois sabia o que estava fazendo.

PÂMELA: Olha aí, você está inventando.

L: Ah, eu que estou inventando? Vocês são a voz da razão e da verdade. Defendendo uma piranha, vaca…

DIOGO: É, cara, eu já falei mil vezes, você está exagerando…

L: Eu… Ah, eu estou exagerando? Está com pena dessa puta…

LUDO: Você é desagradável, cara.

L: Oh, coitados de vocês. O que é agradável, então, essa promiscuidade? Essa libertinagem?

KARINA: Você é estúpido. Só é simplesmente estúpido.

L: Eu vou… vocês querem… eu tenho que contar uma historinha comovente ali no microfone? Eu vou lá. Precisa do espetáculo, né, se não tiver sangue e vísceras espalhadas pelos palcos, nada feito. Não, eu vou lá, vocês gostam de um escândalo, né, dá audiência.

MANO: Eu vim aqui… eu queria só matar aquele cara, vocês ainda vão ouvir ele?

L: Você fica quieto aí, ó… Você não falou no microfone, você não teve o seu momento?

MANO: Falei em porra de microfone nenhum.

L: Eu vou… não? Bom, eu vou falar ao microfone, aqui, vocês não gostam de historinha? Eu vou contar uma historinha aqui, talvez vocês não gostem tanto porque ela não é totalmente fantasiosa que nem a de uns e outros aí.

KARINA: Ai, eu não vou, vai falar coisa nenhuma, ninguém vai ouvir.

L: Vou. Vai ouvir, sim.

KARINA: Eu vou, alguém desliga o microfone aí?

L: Quem sabia que a princesinha Julieta ali só veio pra essa praia porque o corno do marido dela tem apartamento aqui? Alguém contou isso? Você contou isso, amor?

KARINA: Tá, e daí, você… Desliga o microfone aqui, gente, o que é isso? Esse cara veio armado atrás da ex-mulher!

L: Olha aí, ninguém está te ouvindo. Sabe o que ninguém mais ouviu, também? A verdade, ninguém aqui ouviu nem uma palavra de verdade até agora. Quanto tempo fazia que você estava dando pra ele? Na minha cama, vocês treparam?

LUDO: Deu, parou, cara, ninguém quer te ouvir mesmo.

L: Fala então você! Conta pra eles como foi a primeira vez que você falou que me amava. Como foi lindo. Conta?

LUDO: Eu vou… vamos tirar ele daí?

L: Ah, vai me tirar daqui? Você não é homem.

LUDO: Você tem uma ideia primitiva e muito preguiçosa do que é ser um homem.

L: E você vai fazer o quê, (sacando a arma) desviar de balas? (No instante em vai erguer a arma, Ludo interrompe o movimento e com um gesto rápido, desarma-o. Diogo já está ao seu lado.)

DIOGO, um pouco incerto: E como você pretende, exatamente…

LUDO, sem ouvi-lo, segurando L e levantando-o do chão: Eu disse… Me ajuda aqui! (Diogo vai ajudá-lo.) Eu disse que a gente podia ter evitado. A gente devia ter evitado.

(Ele e Diogo levam L para fora de cena. Ludo e L vão trocando xingamentos.)

(Silêncio.)

KARINA: Eu não me lembro de nada disso. Naquele dia. (Pausa.) Até…

PÂMELA: Que bom que vocês vieram.

MANO: Eu vi você morrer.

PÂMELA: Vai acabar logo.

MANO: Eu não quero que acabe.

PÂMELA: E tem uma parte que não vai acabar nunca.

MANO: A gente não… Eu não sei… se eu consigo… passar por isso de novo.

HELENA: Ludo? Alô? Oi, Ludo? Você falou comigo?

KARINA: Helena? Vocês… vocês estão ouvindo?

PÂMELA: Sim. Você também, Mano. (Ele confirma com a cabeça.)

HELENA: Eu não sei por que eu te respondo. Eu não quero fazer parte de nada disso.

MANO: Quem é ela?

KARINA: Helena, ela… (confusa) ela não estava aqui?

HELENA: Você é cruel. E egoísta. E nada disso faz sentido.

KARINA: Ela está falando daquele que… (faz um gesto imitando Ludo erguendo L do chão.)

MANO: Mas por quê? O que ele fez?

KARINA: Eu quase descobri, eu acho.

HELENA: Então eu decidi que eu vou contar tudo.

KARINA: Sim… Helena? Sim! Conte tudo.

HELENA: Eu vou procurar ajuda. Como você se recusa a fazer.

KARINA: Sim! Helena? Como… (para Pâmela) como eu faço pra ela me ouvir?

HELENA: Isso vai terminar.

PÂMELA: Isso vai terminar logo.

HELENA: Isso vai terminar logo.

(Silêncio.)

MANO, chorando e segurando a mão de Pâmela: Meu amor. Eu não quero te perder de novo.

(Repete algumas vezes que não quer perdê-la enquanto a luz vai se apagando lentamente.)

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