sábado, 24 de setembro de 2022

Não nos faltava disposição pra virar a noite andando de bar em bar, conhecendo as pessoas mais aleatórias e discutindo sobre tudo como se fôssemos grandes especialistas, misturando bebidas em tão grandes quantidades que o mais impressionante, talvez, fosse o fato de que conseguíamos continuar falando. Numa daquelas noites, aconteceu que uma amiga teve que levar a prima mais nova a tira-colo, uma menina ainda menor de idade que tinha ido morar com ela e a quem nossa amiga repetia, do alto da sabedoria dos seus vinte e poucos anos: "Se você quer beber, pode beber, mas se fumar alguma coisa, eu vou contar pra tua mãe". A menina se enturmava fácil, tinha boas ideias e referências muito parecidas com as nossas, além de uma grande presença de espírito, de modo que em noites seguintes começamos a perguntar por ela e, em pouco tempo, ela passou a fazer parte da turma — antes de se tornar a grande amiga pessoal que mantenho até hoje. Era Cristina. Na época, ninguém sabia exatamente a idade dela, nem se importava com isso, até porque todos tínhamos idades diferentes e isso nunca significou absolutamente nada pra ninguém do nosso convívio. Então, veio uma daquelas noites em que tudo dá errado, e que já começou com um acidente sério que deixou um dos nossos amigos hospitalizado — soubemos pelo telefone, e decidimos continuar a noite mesmo assim, na ausência dele e do outro amigo que estava junto na hora do acidente. Não sei o quanto isso afetou os nossos ânimos, mas tudo começou a desandar muito logo, com uma discussão boba que acabou virando uma grande briga e dividindo a turma ao meio pelo resto da madrugada.

Cristina veio conosco, e fomos encarando uma série de frustrações que — embora isso fosse da mais alta importância pra nós — não passavam de bares com pouca gente, música ruim ou bebida cara. Cristina parecia um pouco triste, mas diante de tudo o que estava acontecendo, ninguém estranhava, se é que algum de nós chegou a reparar de fato. Restávamos apenas eu, ela, sua prima e um cara de quem ela — a prima — estava a fim fazia tempo, quase uma paixão platônica, mas que, até aquele momento, parecia estar correspondendo ao interesse. Então, meio que já estávamos contando, Cristina e eu, que terminaríamos a noite sobrando em meio ao casal. Até que, de repente, do nada, no meio de um bar que já quase ia acendendo as luzes pra expulsar os últimos clientes, o cara se embolou com uma completa desconhecida no meio das mesas, num beijo tão escandaloso que até naquelas circunstâncias estava ficando constrangedor. A prima, pega de surpresa, quis ir embora imediatamente e, no táxi que aceitei dividir com elas — apesar de que eu morava um pouco mais longe e não ia escapar de ter que pegar um madrugueiro — reinava um silêncio tão absoluto e doloroso que até o taxista, nas poucas vezes em que disse alguma coisa, falou em voz tão baixa e tão devagar que parecia falar com doentes terminais, ou quase. Desembarquei com as duas próximo à casa delas, mas antes de se recolherem, a prima quis parar em uma loja de conveniências pra comprar chicletes, lavar o rosto — e, suspeitamos, vomitar no banheiro —, quem sabe comer alguma coisa, beber algo doce, não sei: ela dizia que não tinha nada em casa, mas parecia mesmo era que não queria nunca mais voltar pra lá. Depois de ajudá-la um pouco, saí da loja e encontrei Cristina sentada no meio-fio, com a cabeça completamente afundada entre os braços.

— Noite difícil? — brinquei.

Ela ergueu a cabeça e respondeu com a voz fraca, sem olhar pra mim:

— É o meu aniversário.

Fiquei em choque por alguns segundos, depois olhei pro meu cachorro-quente, que já estava prestes a devorar com vontade, e, sem pensar duas vezes, estendi em direção a ela e disse com toda a alegria que consegui reunir:

— Feliz aniversário!

Ela sorriu, aceitou o cachorro-quente e começou a comer em silêncio. Sentei-me ao seu lado e fiquei em silêncio, também, sem conseguir pensar em mais nada, só que eu era algum tipo de último sobrevivente do que quer que fosse. Cristina estava completando dezessete anos.

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