O
professor falava do Acaso como método de criação artística. Falava de conexões
intuitivas entre os atores-dançarinos; trocas que aconteciam naturalmente,
independentes da intenção de dar e receber algo. No exercício daquela noite,
nossos olhos eram vendados e devíamos deixar o corpo se mover por vontade
própria, o mais livre possível das decisões conscientes. Músicas variadas se
alternavam, e aos poucos o professor distribuía objetos entre nós, deixando-os
ao nosso alcance para que interagíssemos com eles da maneira que o corpo escolhesse.
Era assim como uma escrita automática em que as palavras eram os gestos.
Metade
da turma realizava o exercício de cada vez, enquanto a outra metade observava.
Poucos de nós deram importância ao fato de que Bernardo e Jéssica ficaram juntos
para o segundo grupo – eles costumavam ignorar um ao outro, simplesmente, mas tinham
brigado feio naquela tarde, por um motivo bobo de que já nem me lembro. De
olhos vendados, cada um em um canto da sala, pareciam confortáveis em seus
corpos-mundos isolados, movendo-se de maneiras tão diferentes quanto pareciam
ser as suas almas, ou caráteres, ou como queira se chamar essa porção abstrata
da identidade mais profunda de cada um.
Muitos
perceberam quando os dois abriram os braços ao mesmo tempo. Alguns de nós
sorriram com a coincidência, trocando olhares cúmplices: então lá estavam Jéssica
e Bernardo, inimigos declarados, parecendo pedir abraço, cada um desde sua ilha
– e isso já seria suficiente para ilustrar a ideia de Acaso-Criativo ou conexão
intuitiva. Mas era só o começo. Todos prendemos o fôlego quando eles começaram
a caminhar exatamente na direção um do outro, traçando uma linha reta ao longo
de toda a sala, devagar, tomando cuidado para não tropeçar em nada e à procura
do que fosse.
A menos de um passo
de se alcançarem, no meio da sala, pararam. E ficaram assim por pelo menos um
minuto, sentindo, certamente, o calor da proximidade, espelho um do outro, irradiação
de desejo e espera, oferta de abrigo, irmandade, reconciliação, até que finalmente
Um comentário:
Todo céu tem o seu inferno...
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