sábado, 25 de março de 2023



CAPA
RELAÇÃO DOS PERSONAGENS
DESCRIÇÃO DO ESPAÇO CÊNICO
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(Em breve, epílogo.)
CENA 9

(A luz vai se acendendo lentamente sobre Pâmela, diante do microfone. A música silencia.)

PÂMELA, ao microfone: Eu disse isso antes, uma vez, mas… Eu… (Sai de trás do microfone.) Eu não quero falar nisso aqui, eu quero falar com… Eu quero… (Ao técnico de luz:) Você pode acender aqui? (Luz sobre a plateia.) Eu… Isso. Assim, eu quero falar com vocês. Eu disse isso antes, uma vez, mas pra outras pessoas e em diferentes circunstâncias, eu disse: "Eu só existo enquanto vocês estão todos juntos", não foi? Bom, eu realmente só existo porque vocês estão aqui, juntos. Mas agora, eu… Não tem. Não tem mais, acabou. Só tem eu, mas a personagem acabou, tem só uma atriz, eu. Já a personagem… Eu queria ter contado outra história pra vocês. Mas agora não tem mais história e eu preciso ir pra minha casa. A atriz, eu. Eu tenho que pegar três ônibus, eu tenho um filho pequeno em casa, um menino. Eu tenho que… ele tem cinco anos, eu tenho que contar uma história. A mamãe… tem essas contas pra pagar e amanhã de manhã bem cedo tem um espetáculo infantil com outro grupo, então eu vou sair mais cedo, eu vou… contar uma historinha sobre um príncipe, não, sobre um guerreiro, um gênio, um milagre… Eu… me desculpa, eu queria poder contar outra história. Pra vocês. Pro meu filho também. Eu queria poder continuar existindo. Mas é desse jeito, hoje vai ser desse jeito. É assim que está sendo. Não ser. Ser. Não ser. Ser.

(Escuridão.)

(Luz sobre Diogo e Karina, sentados lado a lado com o olhar distante. Silêncio.)

DIOGO: Então é assim. (Pausa.) O depois. O fim da jornada. O outro lado.

KARINA: Pra mim, este lugar nunca vai voltar a ser só uma praia. Sabe? Sem…

DIOGO: Fantasmas?

KARINA: É uma palavra quase indelicada.

(Pausa breve.)

DIOGO: Tem uma que não seja?

(Pausa breve.)

KARINA: É uma… cicatriz?

(Pausa breve.)

DIOGO: É o horizonte. (Pausa breve.) É, uma cicatriz.

KARINA, ao mesmo tempo: Uma cicatriz.

(Silêncio.)

KARINA: Eu, como sou uma pessoa organizada, já estou me programando pra só sentir falta de você às segundas de manhã, na Paniflix…

DIOGO: Hm… aquele pãozinho na chapa…

KARINA: Aquele pãozinho com manteiga na chapa e aquele duplo reforçado pra já ficar acordada a semana inteira. Aquele burburinho, o ruído dos carros na rua e depois a semana inteira querendo ouvir esse ruído aqui, de onda quebrando.

DIOGO: É… Esse ruído aqui.

KARINA: E de fantasmas.

(Silêncio.)

KARINA: Eu acho que era tudo o que restava pra eu dizer.

DIOGO: Eu vou sentir falta de te ouvir.

KARINA: Esse ruído?

DIOGO: Esse ruído.

(Silêncio. Karina se levanta.)

KARINA: Vem, vamos fazer uma selfie. (Os dois se juntam para fazer uma selfie.) Hashtag depois do fim.

(Escuridão. Som de câmera fotografando. Quando a luz se acende, Helena está no lugar de Karina.)

HELENA: Hashtag apenas começamos.

DIOGO: E algumas coisas não mudam nunca.

HELENA: Por exemplo?

(Pausa breve.)

HELENA: “O resto é silêncio”?

(Silêncio.)

DIOGO: Pro bem ou pro mal, será?

HELENA: Que o resto é silêncio?

DIOGO: Que algumas coisas não mudam nunca.

HELENA: É… Bom, sim, acho que a gente tem que se perguntar mesmo pra onde que leva não sair do lugar. Tanto pode ser bom quanto ruim.

DIOGO: E que o resto é silêncio?

(Silêncio.)

DIOGO: Tem sempre alguma coisa começando ou terminando também. Ou começando e terminando. Terminando e começando.

(Pausa breve.)

HELENA: Pro bem ou pro mal. (Puxa Diogo para perto.) Vem cá.

(Beijam-se. Escuridão. Quando a luz se acende, Ludo está no lugar de Helena. Ele e Diogo se afastam.)

LUDO: Então ela também tinha que citar Hamlet?

DIOGO: Como?...

LUDO: Ela disse que o resto é silêncio?...

DIOGO: Ah, sim! Você lembrou! Está funcionando bem!

LUDO: Não, tudo… você muda tudo.

DIOGO: Do que mais você se lembra?

LUDO: Que algumas coisas não mudam nunca.

DIOGO: Bom, isso não dá pra esquecer.

LUDO: É, sim, lembrar que algumas coisas não mudam nunca é uma das coisas que não mudam nunca.

DIOGO: Sim. E outra é que tem sempre alguma coisa mudando.

LUDO: Bom, hoje eu mudei meu status.

DIOGO, rindo: Ah, isso você não lembrou?

LUDO: O quê? Ela também?

DIOGO: E você não olha as redes sociais dela, não?

LUDO: Seria um auto-stalker.

DIOGO: Então agora, de acordo com a percepção pública, eu estou em um relacionamento sério com duas pessoas diferentes?

LUDO: Bom, todo mundo sempre soube que você era um pervertido.

(Beijam-se enquanto a luz se apaga. Luz sobre L, que mexe no celular. Durante sua fala, os telões vão mostrando o que ele vê no celular: redes sociais de Diogo, Karina, Ludo e Helena, as fotos com as hashtags que foram tiradas em cena, etc.)

L: Pervertido! Completamente. Sem a mínima vergonha. Olha aqui, "relacionamento sério"! Tem que marcar os dois, porque nem eles sabem direito quem é quem, né? Olha lá. "Sério", esse relacionamento é uma piada, né, esses dois aqui têm uma doença mental, não é possível. Quem que nasceu da mãe deles, será? O verdadeiro é o que nasceu, né, ou ele nasceu ele, ou ela nasceu ela, as duas coisas não dá. E essa outra aqui, coitada, a ex do tarado pervertido sexual, hashtag depois do fim, eu mereço. É uma coitada, essa vadia, olha que boquinha gostosa que ela tem. Ai essa boquinha me chupando… nossa, que delícia. (Vai colocando mão dentro da calça.) Que safada, essa vagabunda, você gosta de uma suruba, é, sua safada? Dá essa boquinha aqui… (Um cameraman entra em cena por engano, filmando o que acontece para transmitir nos telões, e L acaba percebendo sua presença, parando imediatamente o que estava fazendo.) Mas o que é isso, não existe mais privacidade, não? Já vem metendo a câmera onde bem entende, não tem respeito? Não sabe o que é respeito? Só pode, né? (O outro vai saindo e L vai atrás dele, xingando, enquanto a luz se apaga.)

(Luz sobre o microfone e Mano, que se aproxima lentamente. Ele para diante do microfone e fica olhando para o público em silêncio.)

(Longo, longo, longo silêncio.)

(As luzes vão se apagando muito lentamente.)

sábado, 18 de março de 2023

Aí eu reparei na ausência de objetos cortantes. 
Mas era um avião pegando fogo em pleno voo 
Os degraus do ego entre a piedade e a pena 
As pedras submersas 
Cadáveres e moscas e era a imagem do escárnio esculpida em gelo. 
Aí eu reparei que a minha inocência iria comigo à forca. 
No chão coberto de palha e nas paredes rabiscadas 
Era um trem descarrilhado o testamento de um mendigo 
Eram leões famintos águias era o quarto sem janelas 
Da pequena lógica dos cínicos. 
Aí eu reparei. 
Tuas lágrimas de sangue atrás de um vidro 
Os lábios se movendo sem que se pudesse ouvir 
Aquelas mãos erguidas cinco pétalas de não se alcançar 
Sem arrancar do coração uma ferida ardente. 
Aí. 
A aquarela dos finais felizes desbotou no livro 
As sombras do pra-sempre e meu amor eu juro 
Que tentei gritar conter dar meia-volta mas já era tarde 
Aquele mar de maravilhas terminava em um abismo. 
Nós 
Dois. 
Eu não parei a tempo.


 


(Diários de Machu Picchu #27)


 

sábado, 11 de março de 2023


 


 


 


 


 

Não pode o fogo nas nuvens 
O estrépito imóvel 
Uma catapulta de pétala

Não pode a contemplação ter açúcar 
Um rastro rasgar memórias 
O mar dentro da praça 
Tanta chuva em um só morango

Quase 
Sempre 
Assassinatos, roubos, abusos 
Uma farsa exaustiva, um deboche em voz alta 
Uma rua inteira de perversões 
Um vale de drogas pesadas 
Bem, aí 
Pode

Dependendo da cor da pele 
De qual é o seu nome 
Do que foi dado em troca

Quase sempre 
O que não pode é um bicho magro e sem dentes 
Que se pudesse 
Não faria nenhum estrago

O que não pode, enfim 
É um muro sem átomos 
É uma corrente atrás dos olhos

E eu tenho cá pra mim que 
O que não pode mesmo 
Muito 
De verdade 
É todo esse não poder 
Diante de infinitas 
Possibilidades