sábado, 26 de novembro de 2022


 

A vida é bela, a vida é doce, a vida é maravilhosa, 
Agita-se em seu ponto de equilíbrio, quente e 
Densa como uma estrela nascente, 
Aponta uma direção, diz olha lá, veja 
O que eu preparei para os seus dias, 
Você vai ver e é uma coisa linda, absolutamente 
Magnífica, acachapante, inacreditável, 
A vida é uma arquiteta exímia, uma artesã esmerada, 
Ela traça a forma perfeita e ela mesma 
Acorda em seus olhos com o nome de desejo, 
Então a vida arde, 
A vida te arremessa para frente, e simplesmente 
Não permite que você se recuse a ela, 
Aí você não se recusa a ela, 
Calcula as rotas, os recursos disponíveis e percebe que 
Vai te custar tudo, mas você não se importa, 
Você paga o que for pelo milagre anunciado, 
Sólido, visível, inegável no horizonte, 
Seu destino é claro, é imenso, justifica tudo 
E está logo ali, é preciso apenas estender a 
Mão, 
Você estende a mão, estica os dedos, está 
Prestes 
A tocar 
A mágica, 
Quando 
De repente ela não há mais, 
Some, se esfuma, dissolve com o vento, 
Se é que alguma vez existiu, 
Do que é que você está falando, abaixe a cabeça, 
Ajeite a camisa, 
Trabalhe.


 


 

sábado, 19 de novembro de 2022


 


 

Eu naqueles labirintos verticais de Ouro Preto pensando se era possível me apaixonar mais por um lugar, acho difícil. Uma sensação de séculos quase pesando no peito, revestindo tudo ao redor com um brilho solene, mas também um colorido de agora, e algo como estar sempre nadando em direção à superfície embora o ar não falte. Às duas da tarde, eu já havia pensado na palavra "mágica" e ainda não sabia nem da metade.

Museus, igrejas, artes de tantos tempos se misturavam entre os paralelepípedos, um pouco de São Francisco, um pouco de inconfidência e ainda um pouco de versos pastoris, não sei por que pensei em Jéssica quando visitei a casa de Tomás Antônio Gonzaga, mas logo em seguida encontrei este escrito em uma parede:


Fazia uns sete meses que não eu não conversava com Jéssica, por pura inércia do dia a dia, e isso era um dos períodos mais longos que já tínhamos ficado sem nos falar. Nem sei por que a lembrança, mas fotografei aquele verso ainda pensando nela, um súbito nó de saudade apertando a garganta.

Acabei parando em um café-livraria ali perto, um lugar de ares sofisticados quase que só pelo prazer do contraste com tudo ao redor, e meu pensamento inquieto já tinha estado em milhares de épocas e de lugares desde a visita à casa do poeta. Aliás, já quase abria um caderno para escrever meus próprios versos quando chegou o café e eu lancei um olhar para a rua através da fachada de vidro, repousando no movimento de uma saia florida.

Nossos olhos se encontraram, e os dois levamos ainda um tempo para entender, acreditar, não sei, levamos um tempo para dizer o nome um do outro nas nossas cabeças e só então ficar absolutamente perplexos.

— Mas como? — foi só o que ela disse quando entrou na livraria.

Eu não saberia nem por onde começar a responder aquilo, mas não achei difícil de me contentar apenas com o abraço de Jéssica.


 

sábado, 12 de novembro de 2022


 

Já estive muito além da mais completa farsa, muito 
Além de conhecer toda a verdade, já estive 
Muito além do olho da rua, muito além de 
Entre seus braços, 
Já tive muito mais do que vontade de morrer e já 
Vivi demais, já vi demais, fechei meus olhos 
E já me humilhei bastante, 
Achei que eu fosse mais que isso, 
Fui embora cedo e já 
Dei muito murro em ponta de faca, 
Falei bem mais do que devia 
E me faltou de uma palavra a todas, 
Só eu estava lá 
(Mas se mudei, não era eu que estava) 
Nem é sobre você, também, mas meu bem, 
Não tire o corpo fora, 
Já escutei até o final 
E já me distraí bastante, 
Já tudo, 
Já nada, 
Já já 
E já na mais absoluta ausência 
Até do tempo


 

sábado, 5 de novembro de 2022

Era uma vez um conto que queria ser um soneto. Como era azarado, nasceu logo aqui na periferia da literatura, o pobre coitado.

Zombavam dele por onde ele ia, dizendo:

— Ah lá, o continho abestalhado quer ser soneto.

E todo mundo ria.

Mas um dia o pai dele, preocupado, decidiu procurar um professor com doutorado. Então levou seu conto para um exame atento do doutor, que disse:

— Filho, ignore esses perversos. O fato é que você é um soneto pronto, só é preciso colocar-se em versos.