sábado, 15 de outubro de 2016

Sandoval atravessou a rua às cinco e quarenta e cinco levando uma sacola de compras. Dolores se debruçou à janela e suspirou que bom que encontraram o cachorrinho perdido, que bom, que bom. José se olhou no espelho e não gostou de como estava o seu cabelo e nada resolvia, tem mesmo que cortar está ficando feio. Extra, extra! – os seus melhores sites de não-notícias: domingo vai ter jogo no campinho do bairro e festa americana na Georgete. Não tem jornalismo no mundo que consiga registrar o mais do menos – uma flor se abrindo silenciosamente em um terreno baldio, um coração sangrando silenciosamente de saudades, uma laranja cortada silenciosamente ao meio. O entrevistador me perguntou se acredito em fantasmas e eu disse que às vezes, que tudo no mundo é às vezes, mas mesmo isso me pareceu uma resposta muito grande, muito definitiva. Olha, a única coisa em que eu não acredito mesmo é no Governo, eu só acreditaria num Governo que soubesse dançar. Isso da existência ser vazia e sem propósito é tão hipotético quanto qualquer divindade. Vá, anote aí assim mesmo: às vezes. Às vezes, o amor é uma estratégia de controle; às vezes, é preciso ter muita coragem pra não lutar; às vezes, “ser o que somos” é inventar um personagem. Não sabemos. Mas até que me sinto bem no nevoeiro. Estou apaixonado, e a cor preferida dela é cinza.

Um comentário:

Anônimo disse...

O importante é que às vezes dá certo