O próximo ônibus pra El Bolsón sairia só na noite seguinte, então resolvi voltar a Puerto Madryn e aproveitar pra ver as baleias. Da primeira vez que passei por lá, elas ainda não tinham chegado. Desembarquei às oito da manhã. A cidade estava fria e mergulhada numa névoa densa, e fui direto a um café pra esquentar o corpo e espantar o sono. Foi a primeira vez que reparei no item “Submarino” em um cardápio na Argentina. O garçom explicou que era uma taça de leite fervendo e vinha com uma barrinha de chocolate que você afundava no leite pra derreter. Decidi experimentar. Conversa vai, conversa vem, o garçom me contou que a “névoa” lá fora eram na verdade cinzas vulcânicas que estavam se espalhando desde o Chile. Fez até um desenho num guardanapo pra mostrar como o vento estava arrastando as cinzas pro leste e nordeste, passando por Buenos Aires, pelo Uruguai e chegando até ao sul do Brasil. Ele disse que eu corria um risco muito grande indo pra El Bolsón, porque era muito perto do vulcão e estaria carregada de cinzas.
Passei numa oficina de turismo pra saber o horário da maré alta, que é quando as baleias chegam mais perto da praia, e aproveitei pra perguntar a respeito de El Bolsón. A moça falou que lá estava melhor que em Puerto Madryn – que havia um alerta, sim, mas que estava tudo bem e que eu não correria risco nenhum. Saí de lá um pouco mais tranquilo, e agora tinha até às cinco da tarde – hora da maré alta – sem absolutamente nada pra fazer. Pensei em ligar pra umas pessoas, acessar a internet em algum canto, mas depois me lembrei de que no Brasil era Dia dos Namorados e fiquei ligeiramente – e ridiculamente – deprimido. Não ajudou muito quando entrei noutro café e encontrei tocando uma versão eletro-bossa de Is This Love. Enfim, é impressionante a quantidade de estados emocionais diferentes que uma pessoa pode experimentar ao longo de um único dia.
O céu estava limpo à tarde, o sol brilhava forte e só uma fina faixa cinza cobria o mar na linha do horizonte. Meu humor estava bem melhor quando embarquei no táxi pra El Doradillo. O motorista ficou calado durante todo o trajeto, e achei até melhor assim. Estava animado pra ver as baleias. Não sei nem expressar o grau de fascinação que tenho por esses bichos. Quando chegamos, elas estavam lá, bem perto da praia. E durante quarenta e cinco minutos, eu fui uma completa criança. Corria de um lado pro outro, dançava acompanhando elas, conversava em baleiês – lembrando o filme Procurando Nemo – e ria porque tinha que falar o baleiês em espanhol, já que estávamos na Argentina. As baleias saltavam, espirravam água, giravam, batiam as nadadeiras na superfície, ficavam um tempo com a cabeça fora d’água enquanto pássaros lhes faziam uma limpeza. Pareciam brincar. Pareciam absolutamente felizes. E eram absolutamente livres.
Na silenciosa viagem de volta, encostei a cabeça no vidro e fiquei observando o sol se por, sentindo que as palavras já não importavam, que jamais alcançariam o êxtase que eu havia experimentado. Pedi ao taxista que ele me deixasse na rodoviária e ele quis saber pra onde eu ia. Era uma pergunta e tanto naquele momento reflexivo. Fiquei tentado a dizer ninguém sabe pra onde vamos meu amigo, mas no final falei simplesmente que ia pra El Bolsón. Ele também disse que eu colocaria a vida em risco indo pra lá, por causa das cinzas vulcânicas. “Na oficina de turismo me disseram que não”, falei. “Me disseram que sim”, falou ele. Pensei um pouco naquilo tudo e concluí: “Bom, acho que amanhã vou saber ao certo”. Ele sorriu: “Então amanhã você me conta”.
Encostei outra vez a cabeça no vidro e sorri também. Ah, sim. Eu gostaria mesmo de contar.
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