Um menino sentado em um canto do quarto. Os braços ao redor das pernas, a testa encostada nos joelhos. O quarto é muito grande, não se pode ver o teto. Os móveis parecem desproporcionais, ou muito maiores ou muito menores do que deveriam ser. Não há janelas. Talvez haja uma porta, mas só se pode ver daqui as duas paredes em que o menino tem as costas apoiadas. Ele não chora. Ele não dorme. Ele só está ali, parado, como se se mover fosse inútil ou doloroso demais.
Agora há uma menina sentada à beira da cama, de frente pra ele. Os pés da menina não alcançam o chão. Ela usa uns sapatos brancos de boneca, meias três-quartos, uma saia azul de colegial. Parece preocupada. Mas não o vê. Talvez o quarto seja dela, talvez o menino tenha sido uma forma muito estranha de começar uma história que sequer é sobre ele. A menina tem vontade de adiantar o ponteiro das horas, mas então se dá conta de que no quarto não há relógios. Havia – até o instante em que ela quis adiantar os ponteiros. Depois era tarde.
Um bando de andorinhas atravessa uma das paredes e voa em linha reta até desaparecer do outro lado do quarto.
– Você viu aquilo? – pergunta a menina.
Por um segundo, o menino tem a impressão de que ela se dirige a ele. Mas então ela responde a si mesma com uma voz de boneca:
– Vi, sim. Eu disse pra você que isso não era uma parede azul. Eu sempre disse isso.
O menino tem vontade de quebrar o relógio. O menino tem vontade de fazer com que o relógio volte a existir pra que ele possa quebrá-lo. O menino tem vontades impossíveis. O menino desistiu de ter vontades.
– Mas por que – pergunta a menina – eu vou ficar aqui agarrada a você em um quarto que só finge ter paredes?
– Talvez a parede tenha ficado ligeiramente alaranjada – comenta a boneca, parecendo assustada.
A menina percebe que está presa em um cubo mágico. Percebe as mãos gigantescas que movimentam o cubo; percebe, de relance, por entre os dedos daquelas mãos, um par de olhos vermelhos e obstinados. O cubo é sacudido com raiva, e no instante seguinte está sendo arremessado pra longe.
Tudo some no momento em que o menino ergue a cabeça e olha em silêncio pra menina, com uns olhos tristes e profundamente azuis.
– O cubo ia afundar na areia movediça – conta.
De repente, o quarto parece sóbrio como um escritório. Tudo em perfeita ordem, iluminado apenas por uma luminária branca sobre a escrivaninha. A mulher procura desesperadamente por uma janela. O homem fecha os olhos, apoia outra vez a testa nos joelhos.
Longe, muito longe, ouve-se o ruído seco e melancólico de uma cidade desabando.
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