sábado, 27 de janeiro de 2018
Espalho sobre o tapete as chances perdidas, tudo na
vida depende de como soa ou como bate a luz, uma garrafa de tequila, uma
escultura de barro que significava tanto e acabou quebrando, as provas que eu
não tive de que ela me amou, crimes na tevê, cortinas que balançam. Espalho
pelo chão da sala os restos do que fui e esboços do que sou, do amanhã não
quero nada, ainda que tudo, cadernos de receitas e livros didáticos, poeira,
jogos e cartões postais, o coração pequenininho de amar tanto e não ser visto,
sob uma lâmpada queimada, descalço. Espalho pela casa as lembranças do estrago
e de passar ao largo ou assistir calado, o sangue que eu perdi e a
espera de um perdão que nunca veio, alguma dor antiga repisada e ressentida, os
cacos de um copo quebrado, os fios de luz, a insônia, espalho pelo prédio as
lágrimas contidas por tempo demais e por razão nenhuma, só porque tristes
demais, pesadas demais, lágrimas demais, panfletos de toda fé e cartazes do
filme que verei sozinho em minha casa, hoje, a partir das onze, flores secas
nas escadas, só um jornal de ontem no balcão da portaria, e quando chego à rua
até posso jurar que já não há mais nada pra fazer ou lamentar, nem sei, a cidade me engole à
primeira vista, acho até que nunca amei e acho até que poderia amar de novo, a
pé, por todos os vazios e possibilidades ir a ser, e me espalhar enfim, sem
fim, recomeçado.
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Deixei a visita sozinha na minha casa enquanto fui comprar algo na
padaria. Era a primeira vez que o Bernardo me visitava ali no litoral
catarinense; ele estava morando numa cidade vizinha, ligou pra dizer To
passando aki perto onde q vc mora e eu disse Chegue aí na rua tal número tal. Aí
depois que ele chegou que eu fui pensar nos acompanhamentos, É uma padaria aqui
do lado eu vou bem rápido, pode ficar aí estudando a minha coleção de CDs.
Bernardo é de casa. Vamos atualizar as notícias e esgotar os assuntos de
interesse comum e em poucos encontros estaremos compartilhando longos momentos
de tédio como só os bons amigos sabem compartilhar.
Fui pensando em coisas que eu já não tivesse dito
em uma das nossas conversas virtuais, verdades que eu tivesse disfarçado em
publicações de humor ou poéticas ou filosóficas ou que eu tivesse escondido do
mundo ou confessado através de um personagem que pra todos os efeitos não sou
eu: quais verdades eu diria pessoalmente, olhos nos olhos, o tom da voz
ajudando a dar a medida exata do quanto aquilo importasse, estou contando só
pra você porque você é meu amigo entende, você não vai me julgar vai me ouvir.
Você também acha que a internet apagou um pouco as fronteiras entre o público e
o privado? Você também acha que está todo mundo encenando, você também tem
saudades da vida lá fora e por isso veio morar perto do mar, você também se
incomoda pelo pouco que os corações se revelam e às vezes também se assusta
quando se revelam muito, mesmo sem saber se aqueles corações são reais?
Atravessei as ruas tranquilas do meu bairro
aproveitando um resto de brisa marinha, construções de mais de um século e lixo
nas calçadas, árvores e tinta descascada, mesmo o mais familiar me parecia novo
e cheio de mistérios e por um momento eu pensei em nunca mais voltar pra aquele
apartamento onde o Bernardo me esperava, com o encanamento barulhento, baratas,
janelas cheias de flores e elevador de gaiola, Bernardo que morasse lá, eu só
queria desbravar o mundo. Era um final de tarde e eu estava numa zona de
incertezas, de indefinições: entre o prazer e a dor existe algum limite claro?
Entre o saber e o não saber, querer ou não, partir, ficar, nunca voltar, entre
o eterno e o agora existe algum limite claro? Ou eram só perguntas que eu faria
logo mais pra ver o olhar do Bernardo se perder na paisagem até que ele
suspirasse e dissesse Eu também não sei... assim, com reticências?
Ele me esperava recostado na poltrona
individual, as mãos cruzadas sobre o quadril, os olhos fechados, ouvindo Eric
Clapton com as luzes apagadas, um pouco depois do sol ter acabado de sumir no
horizonte. Procurei fazer o mínimo de barulho possível, mas entre música e
ruído às vezes eu também fico na dúvida se existe algum limite claro. Bernardo
abriu só um olho pra me olhar, sorriu, disse alguma coisa que eu não entendi e
se ajeitou melhor na poltrona pra continuar ali jogado. Tudo tinha o seu ritmo
e sua dança, os traços do artista, as cores, as formas e o simples sentido de
ser e de estar sem necessariamente uma lógica. Vamos falar sobre o gol do
Bebeto em 94, as grandes corporações e seus obscuros negócios, um show do Paul,
as aranhas que devoram os machos depois de acasalar, acidentes de trânsito,
café solúvel ou passado, afeto, trabalho. Você me conta como foi sua vida e eu
te confesso o que na minha era só teatro. Falar até que a noite cale, até que a
estrada não chame, até que ponte, até que praia. Você me conta onde queria
chegar no ensaio e eu te apresento os fatos. Seja bem-vindo, amigo. Até que
aplauso.
sexta-feira, 12 de janeiro de 2018
Grandes
amigos poucos
Às
vezes menos às vezes mais
Depende
sei lá do clima ou da era
Só
o tempo seleciona o que é pra sempre
Amores
de que sei o nome:
Bárbara,
Leonardo, tantos outros
E
nomes que se repetem e
Milhares
de nomes novos pras mesmas coisas
E
coisas novas o tempo todo
E
nunca mais ter sido ontem
(Um
equilíbrio impossível
Tentando se costurar
no abismo)
domingo, 7 de janeiro de 2018
Trago uma alegria que mal cabe na voz, mãos calejadas e um mar de lágrimas que você nunca viu. Tenho uma preguiça sem fim das conclusões, uma esperança inesgotável dançando e uma ferida que não fecha nunca. Não me contento com a superfície, não me interessa o que vem sendo dito desde sempre por aqueles que não param pra escutar e não ponderam. Não venho com facilidades, panos quentes, opiniões sobre o que está em pauta, rimas, soluções, toda a verdade sobre o que quer que seja. Venho como sou, como eu queria ser e como eu acho que devia. Por menos que isso, eu não me troco. E se não for pra dividir por igual, eu nem começo.
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