sábado, 17 de fevereiro de 2018

A paisagem não mudava. A cada cinco minutos, mais ou menos, o piloto acendia um holofote pra se assegurar de que estávamos a uma distância segura da margem. De resto, só a escuridão sobre as águas do Amazonas. Era o terceiro dia naquele barco, e ainda faltavam dois pra chegarmos a Manaus. A paisagem não mudava. Era um dia de achar que eu estava no mundo errado. Compaixão, piedade, qualquer coisa que faltava. Mal reparei quando Eva se colocou ao meu lado. Ruído de motor. Água batendo no casco.

– Insônia? – ela perguntou.

E o que ainda pode ser chamado de silêncio? Coisas que eu não queria ter ouvido tanto na estrada: “‘Amor’ é um substantivo abstrato” e “Você vai sempre fracassar se perseguir um ideal apagado pelo ‘progresso’”.

– Você não ouve os trovões? – perguntei, quase em tom de brincadeira. Ela abaixou os olhos pro rio.

– Não sei se os mesmos – disse.

E uma coisa que eu queria ter riscado do meu livro: “Vão bater na outra face mesmo que você não ofereça”. Carinho, cuidado, o cinismo que transforma isso tudo em águas paradas e nocivas. Ou quando eles se gastam pelo uso. Ou quando eles não bastam.

– Você não pode rir de tudo em que as pessoas acreditam e ainda esperar alguma consideração da parte delas – disse Eva, em tom mais reflexivo que de acusação.

Lua cheia nascendo, uma floresta gigante nas duas margens. Coisas que eu preferia não ter aprendido na porrada. E uma reclamação bem mais simples: “Estou cansado de ser desprezado”. Mas não saberia dizer isso em voz alta sem me sentir bobo.

Insônia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Acho que todos devemos fazer esta viagem, e com insônia..

Anônimo disse...

Não tenho palavras, apenas um emoji perfeito para este comentário, que não consigo reproduzir aqui.