Aos doze anos, Jéssica teve uma briga feia com os pais
bem no centro da cidade. Ficou tão enfurecida que não só berrou que ia fugir,
como costumava fazer sempre, como realmente embarcou em um ônibus de linha que
estava passando por ali e desapareceu antes que os pais pudessem fazer qualquer
coisa pra impedir. Pagou sua passagem e foi se sentar bem ao fundo, na última
fileira de assentos, onde chorou de raiva com o rosto virado pra janela durante
muito tempo antes de começar a se preocupar com onde estava e pra onde estava
indo. Calculou que o melhor a fazer então era esperar o ônibus dar um giro
completo em seu trajeto e desembarcar de volta onde embarcou, onde talvez seus
pais ainda esperassem por ela. Mas quanto mais o ônibus demorava pra fazer a
volta e avançava por ruazinhas estreitas de bairros desconhecidos, mais a
pequena Jessica sentia medo e pensava na possibilidade terrível de nunca mais
rever os pais. Já estava quase em desespero quando reparou em um menino que se
aproximou com a família e acabou se sentando bem ao lado dela. Era bonito e
parecia tão seguro e tão alegre que ela teve vontade de falar com ele. E teve a
impressão de que ele também tinha reparado nela, que ele também tinha vontade
de falar com ela, e mais: havia alguma coisa na forma como os corpos deles iam
sendo jogados um contra o outro pelo movimento do ônibus, alguma coisa que fazia
com que ela quisesse se entregar, abandonar totalmente o controle e nunca mais
parar de sentir o toque da pele daquele garoto. Não entendia muito bem aquilo
tudo, mas sabia que estava apaixonada. Já tinha imaginado toda uma vida de
casamento, filhos, casa com cerquinha branca e um cachorro, quando o ônibus
parou em um terminal e todos os passageiros começaram a desembarcar. Jéssica
ficou sentada, vendo todos saírem, e gostou de saber que o menino estava se
deixando ficar por último na fila do desembarque. Arrastava os pés pelo
corredor, andando devagar e sem vontade, até que finalmente, quando todos os
passageiros desceram e só restavam os dois dentro do ônibus, ele se virou pra
trás e olhou diretamente pra ela, meio sem entender também, mas fascinado. Ela
achou que o tempo tinha parado, ficou olhando pro menino e se perguntando como
era possível um menino tão lindo ali parado olhando pra ela também. Depois do
que pareceu uma eternidade, alguém chamou por ele, um nome que ela não ouviu, e
ele desapareceu correndo porta afora. Então ela nos conta que, sozinha ali no
ônibus, sem saber se ele voltaria a andar ou como se comunicar com os pais, perdida,
assustada, mesmo assim, sua única preocupação era que o menino tinha ido embora
sem que ela tivesse tido coragem de falar com ele, e em vez de rezar a Deus ou
pedir ajuda a alguém pra voltar pra casa, ela só conseguia repetir a si mesma, sonhando
que ele ouviria: Me perdoa... por favor, por favor, me perdoa.
Um comentário:
As oportunidades não voltam, temos que ter coragem quando elas surgem. Jessica, coragem!!!
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