sábado, 31 de março de 2018

Aos doze anos, Jéssica teve uma briga feia com os pais bem no centro da cidade. Ficou tão enfurecida que não só berrou que ia fugir, como costumava fazer sempre, como realmente embarcou em um ônibus de linha que estava passando por ali e desapareceu antes que os pais pudessem fazer qualquer coisa pra impedir. Pagou sua passagem e foi se sentar bem ao fundo, na última fileira de assentos, onde chorou de raiva com o rosto virado pra janela durante muito tempo antes de começar a se preocupar com onde estava e pra onde estava indo. Calculou que o melhor a fazer então era esperar o ônibus dar um giro completo em seu trajeto e desembarcar de volta onde embarcou, onde talvez seus pais ainda esperassem por ela. Mas quanto mais o ônibus demorava pra fazer a volta e avançava por ruazinhas estreitas de bairros desconhecidos, mais a pequena Jessica sentia medo e pensava na possibilidade terrível de nunca mais rever os pais. Já estava quase em desespero quando reparou em um menino que se aproximou com a família e acabou se sentando bem ao lado dela. Era bonito e parecia tão seguro e tão alegre que ela teve vontade de falar com ele. E teve a impressão de que ele também tinha reparado nela, que ele também tinha vontade de falar com ela, e mais: havia alguma coisa na forma como os corpos deles iam sendo jogados um contra o outro pelo movimento do ônibus, alguma coisa que fazia com que ela quisesse se entregar, abandonar totalmente o controle e nunca mais parar de sentir o toque da pele daquele garoto. Não entendia muito bem aquilo tudo, mas sabia que estava apaixonada. Já tinha imaginado toda uma vida de casamento, filhos, casa com cerquinha branca e um cachorro, quando o ônibus parou em um terminal e todos os passageiros começaram a desembarcar. Jéssica ficou sentada, vendo todos saírem, e gostou de saber que o menino estava se deixando ficar por último na fila do desembarque. Arrastava os pés pelo corredor, andando devagar e sem vontade, até que finalmente, quando todos os passageiros desceram e só restavam os dois dentro do ônibus, ele se virou pra trás e olhou diretamente pra ela, meio sem entender também, mas fascinado. Ela achou que o tempo tinha parado, ficou olhando pro menino e se perguntando como era possível um menino tão lindo ali parado olhando pra ela também. Depois do que pareceu uma eternidade, alguém chamou por ele, um nome que ela não ouviu, e ele desapareceu correndo porta afora. Então ela nos conta que, sozinha ali no ônibus, sem saber se ele voltaria a andar ou como se comunicar com os pais, perdida, assustada, mesmo assim, sua única preocupação era que o menino tinha ido embora sem que ela tivesse tido coragem de falar com ele, e em vez de rezar a Deus ou pedir ajuda a alguém pra voltar pra casa, ela só conseguia repetir a si mesma, sonhando que ele ouviria: Me perdoa... por favor, por favor, me perdoa.

Um comentário:

Anônimo disse...

As oportunidades não voltam, temos que ter coragem quando elas surgem. Jessica, coragem!!!