sábado, 7 de abril de 2018

Na casa vazia, o vento era a voz de Verônica, até meio quente, escorrendo na concha do ouvido. Falava em filmes do Fellini, versos do Ginsberg, coisas que eu não entendia, coisas que eu entendia bem, coisas que tanto fazia escutar ou não. Às vezes vinha com o Vinícius, quase sempre com um vinho, às vezes com um bom livro ou um bom som. No silêncio da casa vazia, a solidão parecia a presença de Antônia ou de seu filho Felipe, ou de Manfred, o cão, ou de Marina meia beba atirada no sofá da sala, e tantas outras vidas que se misturaram com a minha, mais todas as que não se misturaram nunca, ainda que estivessem lá, bebessem meu café. Na casa já velha havia o vazio que vinha então com cara de menino, só pra jogar um videogame ou pra brincar com Manfred, o cão, sempre às segundas e quintas-feiras perto das cinco, quando voltava da escola, e me dizia do seu amor platônico pela afilhada de uma prima minha, e acreditava em quase tudo que lia na internet, mas não gostava de ler, e ficava comigo muitas vezes até quase a hora de dormir. E tinha um vazio que não cabia na casa, a falta dos tempos de Maria Luiza, Maria, querida Maria que se espalhava tanto pelo espaço e pelas horas, tanto, tanto que agora não era nem possível que já não estivesse mais ali em lugar nenhum, nem mais um pedacinho de Maria, vazio que não podia ser, mesmo que um vazio assim, a olhos vistos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Tem pessoas que enchem nossa vida, outras nao..