Na casa vazia, o vento era a voz de Verônica, até meio quente,
escorrendo na concha do ouvido. Falava em filmes do Fellini, versos do Ginsberg,
coisas que eu não entendia, coisas que eu entendia bem, coisas que tanto fazia
escutar ou não. Às vezes vinha com o Vinícius, quase sempre com um vinho, às
vezes com um bom livro ou um bom som. No silêncio da casa vazia, a solidão
parecia a presença de Antônia ou de seu filho Felipe, ou de Manfred, o cão, ou
de Marina meia beba atirada no sofá da sala, e tantas outras vidas que se
misturaram com a minha, mais todas as que não se misturaram nunca, ainda que
estivessem lá, bebessem meu café. Na casa já velha havia o vazio que vinha
então com cara de menino, só pra jogar um videogame ou pra brincar com Manfred,
o cão, sempre às segundas e quintas-feiras perto das cinco, quando voltava da
escola, e me dizia do seu amor platônico pela afilhada de uma prima minha, e
acreditava em quase tudo que lia na internet, mas não gostava de ler, e ficava
comigo muitas vezes até quase a hora de dormir. E tinha um vazio que não cabia
na casa, a falta dos tempos de Maria Luiza, Maria, querida Maria que se
espalhava tanto pelo espaço e pelas horas, tanto, tanto que agora não era nem possível
que já não estivesse mais ali em lugar nenhum, nem mais um pedacinho de Maria,
vazio que não podia ser, mesmo que um vazio assim, a olhos vistos.
Um comentário:
Tem pessoas que enchem nossa vida, outras nao..
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