sábado, 23 de junho de 2018

Depois de várias promessas e desencontros, chegou o dia em que Joaquin veio me contar a experiência mais inacreditável de sua vida envolvendo coincidências. Aconteceu quando ele era ainda muito jovem e estava em uma cidadezinha no interior do Rio Grande do Sul, meio acampado, fritando hambúrgueres numa lanchonete antes de continuar sua viagem de volta para casa. Lá, ele conheceu um rapaz mais ou menos da nossa idade chamado Antero e os dois logo ficaram muito amigos, trocando histórias sobre viagens, livros, mulheres, etc. Descobriram que tinham em comum a paixão pela ideia de fazer cinema e de criar histórias que eles sonhavam em um dia escrever, dirigir e quem sabe até protagonizar. A melhor ideia de Antero, na opinião de Joaquin, era a de um curta-metragem sobre um cara que encontrava um papel na rua com um número de telefone e decidia ligar, acabava conhecendo uma mulher e, a partir daí, se desenrolava uma história de suspense, comédia e romance. A melhor ideia de Joaquin, na opinião de Antero, era um filme de viagem ao longo da Cordilheira dos Andes com ótimas tiradas de humor, como, por exemplo, o caso de um personagem chamado Jorge Flores.

Jorge Flores não apareceria no filme. Era assim: algumas vezes, o protagonista seria mostrado em rodoviárias – esperando ônibus, dormindo em bancos, na lanchonete ou fazendo qualquer outra coisa – e todas as vezes que isso acontecesse, de alguma forma, o nome de Jorge Flores seria mencionado: ou na plaquinha de alguém esperando por um passageiro no desembarque, ou sendo chamado pelos autofalantes, ou escrito a caneta na porta de um banheiro, etc. Joaquin jurava que algo assim tinha acontecido de verdade com ele, e que até então aquela tinha sido a experiência mais inacreditável de sua vida envolvendo coincidências – mas que na versão real, pra ser sincero, as rodoviárias não ficavam aos pés da Cordilheira, mas no Brasil, e o nome que se repetia nas rodoviárias não era Jorge Flores, mas um em que Joaquin não via graça nenhuma, por isso resolveu mudar.

Quando se cansou de fritar hambúrgueres naquela cidade e quis pôr o pé na estrada outra vez, Joaquin lamentou poucas coisas além de ter que se despedir de Antero. No dia em que foi embora, andava em direção à rodoviária pensando no amigo e se lembrou das histórias dos filmes só um instante antes de enxergar um pedacinho de papel caído na calçada. Sem hesitar, abaixou-se para pegá-lo e, para sua surpresa, sim, claro, era exatamente um número de telefone que estava nele – acompanhado da palavra “salgadinhos”.

Por algum acaso que ninguém saberia explicar, Joaquin tinha no bolso uma ficha telefônica, e ali, logo em frente, estava um telefone público. Joaquin mal estava pensando, apenas tirou o fone do gancho, colocou a ficha e discou o número. Ouviu um toque de chamada, dois toques, cinco, toques demais e então já estava quase desligando quando Alô, Alô quem é, Queria falar com quem? Era uma voz de mulher, parecia velha, cansada e autoritária. Joaquin pigarreou, Estou ligando por causa dos salgadinhos, ele disse, e a mulher do outro lado ficou brava e disse que Esse assunto eu resolvi diretamente com o próprio senhor Jorge Flores, oras, passar bem.

E desligou.

Aquele barulhinho da ligação caindo, sabe, Joaquin diz que doeu.

E eu acreditava, mesmo, que sim. Mas também a dor me parecia um detalhe até sem importância no meio daquilo tudo. Até porque eu tinha essa informação a mais sobre a história e ela estava me roubando os pensamentos: o fato de que, pelas descrições que Joaquin fazia (e Joaquin sempre fazia descrições com muita riqueza de detalhes) o Antero de sua história era exatamente aquele que eu fui conhecer anos mais tarde em Machu Picchu e com quem vivi uma série de aventuras.

Olha aqui, Joaquin – falei depois de alguns segundos de silêncio de perplexidade – deixa eu te contar uma coisa: essa é, de longe, a experiência mais inacreditável da tua vida envolvendo coincidências.

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