A primeira vez que me
encontrei com Eva, estávamos na Ponta do Seixas, em João Pessoa, uma praia
agradável que é o verdadeiro “Palácio da Alvorada” em território brasileiro,
porque é a faixa de terra mais ao leste do país. Em uma mesa composta por sete mochileiros,
cada um de um estado diferente, Eva era a única mulher, mas parecia confortável
com isso, embora menos falante que os homens. O tema da conversa era desde o início
a polarização política que tomava conta do Brasil já naqueles tempos, dominando
as redes sociais e trazendo à tona um universo de arrogância e agressividade
até então dissimulado. Todos os sete tendíamos à esquerda, em variados graus de
engajamento e idealismo, mas mantínhamos o foco da conversa menos em questões
partidárias e eleitorais do que em questões morais, especialmente em alguns
princípios degenerados do que entendíamos por “direita”.
– Defendem abertamente a
Ditadura Militar, – resumiu Pedro – elogiam torturadores e promovem ideologias
sexistas, elitistas, racistas, fascistas, todos os piores "istas" que
a humanidade já produziu. A esta altura da evolução do conhecimento, da
comunicação, não tem nem como dizer que isso é ser conservador: isso é ser retrógrado.
De frente pro mar, no ponto
em que estávamos, me ocorreu que, se eu quisesse continuar no Brasil, a única
alternativa possível era andando pra trás – mas o fato geográfico não me
agradava nem um pouco como metáfora política. No entanto, um impulso natural de
acalmar as discussões me fazia procurar um argumento que pudesse temperar
aquela exasperação toda. As ondas do mar?... Sim, seria perfeito, se eu
quisesse perder todo o respeito que ainda pudesse ter. "Deixe estar",
eu teria que dizer, "voltar atrás faz parte do processo de fluir.” Ninguém
aceitaria isso melhor do que eu, mesmo se fosse verdade.
– Vá, – disse Antônio, de
repente, arrastando sobre a mesa um guardanapo e uma caneta em direção a Eva –
me desenhe um mapa até seu coração.
Eva riu.
– Você ia precisar de uns
trinta mapas simultâneos – disse. – E ainda assim...
"Mapa não é
território", completei mentalmente. E só então reparei na camiseta que ela
estava usando: uma estampa do Bob Dylan e a frase "There must be some
way out of here". Meu olhar se perdeu sobre o mar, enquanto os outros
prolongavam a discussão política e os dois começavam um jogo não muito sutil de
sedução e esquiva. "Todos no mesmo barco", pensei, num raciocínio que
começava a se fragmentar, meio bêbado, e a se perder no horizonte, "fazer
um mapa das ondas, milhões de mapas simultâneos, sem nenhum lugar pra chegar, num
barco só, um motim, o mar, o mar, as ondas..."
Deve
ter um jeito de sair daqui.
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