Ainda não enxergaram.
Estão imersos em si mesmos e não veem. E não percebem absurdos e contradições
em seus discursos. Mantenha a espinha ereta ao atravessar o território dos
comentários hostis; respire fundo: ficaremos sozinhos se não quisermos agredir ninguém
(e não queremos). Teremos que esperar pelo último trem antes da aurora. Conta
as moedas: cara fome, coroa um cigarro. Precisava mesmo era de muito mais que só um
abraço, mas tenho que reconhecer que é um ótimo começo. Vimos quilômetros e mais quilômetros de campos férteis em almas condenadas pelo descaso – e ainda nos obrigarão a ver safras
inteiras desperdiçadas, apodrecendo em inércia. “Quem ganha com isso?” é uma
boa pergunta, mas ainda: “Ganha o que?” e “É isso mesmo que é ganhar?”. Nenhum
de nós acredita que seja.
Ajeita a mala como um
travesseiro, o chão vermelho e sujo da estação nos empurrou até este canto, os
aposentos da realeza. Em nada caberão nossos bons sonhos. As luzes são muito
fracas, ou piscam, agonizando, e de vez em quando um telefone toca. Enquanto os senhores
da História estão ocupados demais pra entender os estragos que sua cegueira faz lá fora. Mas tudo bem: nenhum outro lugar será descanso. Em
mil anos, ainda não terá se esgotado essa má vontade toda, nem a desesperança.
Dorme, não há mais nada a fazer agora. Esse ruído,
esse ar pesado vem das cenas de um filme ou de um pesadelo, e só. Boatos de que
a primavera não virá, nem risos, nem amigos, nem alívio. Nossa ternura já não
contamina, povoará a Terra com ausências. Teremos vencido sem orgulho e sem
nunca termos banido os ratos, e tudo de que saberemos é do amor. Alguns diriam
“pelo menos isso”.
Dorme.
Um comentário:
Muito atual...
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