Um
pouco depois das nove, entrei em casa, larguei as sacolas e a bolsa ali mesmo
no chão da sala e desabei no sofá antes que Ernani aparecesse e dissesse “boa
noite”. Não era bem que eu estivesse triste, mas de certo modo era, sim, uma
mágoa de existir, só que mais quieta, meio que o leito seco de algum rio
antigo. Ernani prometeu café e me deixou ali sozinha por uns bons quinze
minutos, tudo que eu queria, não, talvez eu quisesse um pouco mais que quinze
minutos, ficar ali deitada de olhos bem abertos sem saber mais nada além de
teto e ruídos vindos da cozinha. Por que meu Deus tantos personagens sou lá
fora onde eu estou agora fui eu ou Ernani quem descalçou os meus sapatos?
O
cheiro do café me alcançou depressa, mas o ânimo que ele sempre despertava em
mim, dessa vez, não despertou. Se eu voltasse à vida, se eu recobrasse a
consciência da minha vida, estaria chorando e não gostava de chorar assim sem
forças. E não que eu estivesse em paz, então, imóvel, só não dançava mais com
as tempestades internas – e eram todas internas. Ernani chegou com a caneca
cheia no instante seguinte, como se o tempo tivesse dado um salto, ou então nem
percebi que eu cochilei, “obrigada”, não, talvez eu não tenha dito “obrigada”
em voz alta, eu era só um estender as mãos e me sentar e trazer pra mais perto aquele
cheiro quente, uma, duas assopradinhas, a segunda demorando até acabar o
fôlego, pouco fôlego, um gole, deus do céu como está bom. A expressão de
Ernani, me olhando, era uma interrogação delicada, desviando depressa o olhar.
Você está bem? Não, é claro que não estou.
Quase falei “estou
cansada de mentir”, mas aí me ocorreu que, se Ernani me perguntasse “então qual
é a verdade”, eu sinceramente não saberia o que dizer.
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