terça-feira, 19 de março de 2019

No fim, eu estava sentado em um ponto de ônibus às três e meia da madrugada. Inutilmente, como já sabia. Fazia frio, eu tinha os dedos dos pés gelados e nenhuma força pra me manter em movimento, nem nenhuma vontade. Enquanto a noite se arrastava por aquela rua vazia e sem vento manchada pelas luzes amarelas dos postes. Meu coração tinha acabado de sumir, e no lugar em que ele pulsava antes, agora só existia alguma coisa meio parecida com irradiação fóssil. Eu não queria chorar, eu não queria reagir, eu não queria mais nada. Nem os pensamentos conseguiam tomar forma, nem haveria um deles que pudesse desfazer a sensação absoluta de derrota, de uma luta vã que eu arrastei durante tanto tempo só pra chegar à solidão daquela noite no centro de uma cidade esquecida. Muito ao longe, talvez, ou muito perto e baixinho, ecoava uma canção meio vaga sobre o destino melancólico dos descendentes dos anjos sobre a Terra: algo que ouvi na infância, como se a memória de uma canção assim ingênua pudesse me ajudar contra a imobilidade sólida do presente. Já era tarde. Não passaria nenhum ônibus naquela rua. E não havia mais nenhum lugar no mundo em que eu ainda conseguisse me sentir em casa.

Nenhum comentário: