terça-feira, 21 de maio de 2019

Mas o calor que faz no Norte... Uma praia em Salvaterra, uma cerveja, duas, três, tinha sobrado só Eva e eu, poucas palavras, pouca gente e muito suor, por que não fomos nos hospedar em Soure? Compartilhávamos o mesmo gosto pra poesia, muito embora... se falássemos sobre um poema do Drummond, por exemplo, eu citaria este ou aquele verso e ela, outros. Foi assim com quase todos os poemas sobre os quais falamos ao longo daqueles dias.

– Mas concordamos sobre Salvaterra – murmurei, como se ela estivesse acompanhando o raciocínio anterior.

Já tínhamos discutido isso, sobre “Salvaterra”. Nenhum de nós dois gostava da ideia de “salvar” – tínhamos uma desconfiança fundamental de quem quer que fosse que se atribuísse essa missão. E ainda assim, de alguma forma, talvez não soasse tão deslocada a palavra “salvos” pra explicar como estávamos nos sentindo naqueles dias, naquela terra. Era tudo muito luminoso e lento. Ao longe, na praia, um menino passava montado num búfalo.



– Às vezes eu me pergunto – ela disse – que utilidade a gente tem acumulando informações. Sabe? A gente fica acumulando e alinhando ideias num jogo mental sem quase nenhum desdobramento prático. Ou sou eu que não estou enxergando alguma coisa? Mas que diferença faz a gente saber o que falou Zaratustra?

Eva bebeu toda a sua cerveja de uma só vez e largou o copo sobre a mesa. Manteve os olhos baixos com um ar de tristeza, de fracasso.

Mas o calor que fazia, mas aquele mar que de vez em quando era rio que de vez em quando era mar de novo, como eu amava a cor da pele daquelas pessoas, como eu entendia agora o ar-condicionado, como eu queria ter uma moto pra rodar a ilha inteira.

– Anota aí – resmungou Eva: – Em terra de cretinos, quem tem um coração é janta!

Ah, ponto pra ela, tive que admitir. Meus olhos bêbados deviam estar brilhando de admiração. Eu já não tinha mais muita certeza do que ela estava falando, mas aquilo fez muito sentido, era a mais pura verdade. “A solidão não é um preço muito alto?”, pensei de repente, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela ergueu os olhos e perguntou:

– Vamos pedir mais uma?

– Vamos – falei.

Com esse calor que faz no Norte...

Um comentário:

Anônimo disse...

Todo mundo devia ter um lugar onde se sentisse salvo, sua Salvaterra..