Mas
o calor que faz no Norte... Uma praia em Salvaterra, uma cerveja, duas, três, tinha
sobrado só Eva e eu, poucas palavras, pouca gente e muito suor, por que não
fomos nos hospedar em Soure? Compartilhávamos o mesmo gosto pra poesia, muito
embora... se falássemos sobre um poema do Drummond, por exemplo, eu citaria
este ou aquele verso e ela, outros. Foi assim com quase todos os poemas sobre
os quais falamos ao longo daqueles dias.
–
Mas concordamos sobre Salvaterra – murmurei, como se ela estivesse acompanhando
o raciocínio anterior.
Já
tínhamos discutido isso, sobre “Salvaterra”. Nenhum de nós dois gostava da
ideia de “salvar” – tínhamos uma desconfiança fundamental de quem quer que
fosse que se atribuísse essa missão. E ainda assim, de alguma forma, talvez não
soasse tão deslocada a palavra “salvos” pra explicar como estávamos nos
sentindo naqueles dias, naquela terra. Era tudo muito luminoso e lento. Ao
longe, na praia, um menino passava montado num búfalo.
–
Às vezes eu me pergunto – ela disse – que utilidade a gente tem acumulando
informações. Sabe? A gente fica acumulando e alinhando ideias num jogo mental
sem quase nenhum desdobramento prático. Ou sou eu que não estou enxergando
alguma coisa? Mas que diferença faz a gente saber o que falou Zaratustra?
Eva
bebeu toda a sua cerveja de uma só vez e largou o copo sobre a mesa. Manteve os
olhos baixos com um ar de tristeza, de fracasso.
Mas
o calor que fazia, mas aquele mar que de vez em quando era rio que de vez em
quando era mar de novo, como eu amava a cor da pele daquelas pessoas, como eu
entendia agora o ar-condicionado, como eu queria ter uma moto pra rodar a ilha
inteira.
–
Anota aí – resmungou Eva: – Em terra de cretinos, quem tem um coração é janta!
Ah,
ponto pra ela, tive que admitir. Meus olhos bêbados deviam estar brilhando de
admiração. Eu já não tinha mais muita certeza do que ela estava falando, mas
aquilo fez muito sentido, era a mais pura verdade. “A solidão não é um preço
muito alto?”, pensei de repente, mas
antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela ergueu os olhos e perguntou:
–
Vamos pedir mais uma?
–
Vamos – falei.
Com esse calor que
faz no Norte...
Um comentário:
Todo mundo devia ter um lugar onde se sentisse salvo, sua Salvaterra..
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