–
Talvez depois de dobrar a próxima esquina – era o que dizíamos toda vez que
algum dos nossos planos ia por água abaixo. E foi a última coisa que dissemos
um ao outro depois de tanto tempo viajando juntos pelo Nordeste e Norte do
Brasil.
Em
nossa última tarde juntos, em um passeio de barco pelo Rio Amazonas, Eva
compartilhava comigo uma playlist de
rocks aleatórios,
cada
um de nós com uma das pontas do fone, quando passou pra frente uma música que,
como ela explicou, tinha enjoado de ouvir com Marina e lhe fazia lembrar de
tempos muito bons com ela, coisas em que preferia não pensar naquela hora.
Não
tocou mais no assunto até muito mais tarde, no momento em que nos despedíamos.
Ela estava falando de novo sobre como lamentava, um pouco, não poder voltar
direto pra Santos, mas ter que ir a Porto Alegre resolver questões burocráticas
sem nenhum sentido, quando parou de repente, com uma expressão vaga no rosto, e
ficou assim parada por vários segundos. Quando afinal olhou pra mim, sorriu sem
jeito, cantou baixinho she lives on love street e depois falou, numa voz
profunda e seca:
–
Eu me senti como se tivesse morrido, sabe? – Tinha um sorriso tranquilo e
triste ao mesmo tempo. Ficou me olhando assim um pouco e depois disse: – Me
chame quando resolver terminar de atravessar a floresta até a Colômbia. Não
sei, parece uma metáfora de nascimento.
Tenho
a impressão de ter visto os seus olhos se encherem de lágrimas, mas ela virou o
rosto e mudou de assunto, uma conversa que já não acompanhei mais muito bem
sobre o ar muito úmido e os meninos jogando bola na praia. Era minha vez de
mergulhar por um instante em pensamentos e sensações que se misturavam e me
arrastavam um pouco pra longe. Ou não tão longe assim, porque ainda tinham a
ver com Eva: a verdade era que uma parte minha estava prestes a morrer também, quando
eu me despedisse dela.
–
Que música você passaria pra frente? – ela perguntou..
–
Agora? – eu disse. – Aquela musiquinha lá do “deu pra ti, baixo astral, vou pra
Porto Alegre, tchau”.
Ela
riu e deu um soco no meu braço.
–
Ela nunca deixa de aparecer – resmungou.
–
Sim – respondi. – Parece que as músicas não dão a mínima.
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