Tinha
cerca de sessenta anos, os cabelos grisalhos e a pele escura. Tomava um café na
rodoviária quando o conheci. Não pensou duas vezes ao me ouvir dizer pra onde estava
indo:
“Eu
te levo lá.”
Ficava
em outra cidade, mas era exatamente pra onde ele estava indo, também. No
caminho, foi contando histórias da vida dele e do lugar, os nomes das montanhas
de pedra, detalhes da fabricação da cachaça. Disse que tinha um filho ou dois, não
lembro bem, mas contou uma história de quando um deles era criança que até hoje
eu lembro em detalhes.
O
menino tinha uns nove anos quando, numa noite de domingo, chegou com uma
conversa tão esquisita que ele nunca mais conseguiu esquecer. Perguntou se não
poderia ser que eles todos fossem só personagens de uma história que alguém
estivesse contando, ou sonhando, ou que estivesse passando em uma espécie de
tela de cinema em outra dimensão, quem sabe. E falou sobre uma peça de teatro
que tinha visto na rua, algo sobre uma menina que tinha saído pelo mundo em
busca de respostas pra perguntas daquele tipo.
A
menina viveu muitas aventuras e enfrentou grandes perigos por onde passou, até
que em certo momento se encontrou com o Pequenininho Triste, que se chamava
assim mas tinha na verdade quase três metros de altura. Ela contou pra ele que
estava em busca de respostas pra perguntas sobre a realidade e sobre quem a
gente é, mas ele a aconselhou a desistir da busca. Disse que milhares de
pessoas antes dela tinham procurado pelas mesmas respostas e nunca tinham encontrado
nada.
“Eu
mesmo”, disse o Pequenininho Triste,
“quando era velho, fiz a minha procura. Foi o que me deixou triste assim”,
confessou. Contou que em sua jornada tinha enfrentado mais sofrimentos do que acreditava
que era possível um homem suportar. Mas disse que o mais longe que conseguiu chegar
foi até o sótão de uma velha assustadora que todos na cidade diziam que era
bruxa e que sabia responder com acerto qualquer pergunta que lhe fizessem. Ele foi
até lá, fez todas as perguntas que queria e tudo o que ganhou foi uma xícara de
um chá horrível e uma bufada de poeira na cara no instante em que ela abriu um
imenso livro pra ler de lá num único sopro e como se desconhece a existência de
vírgulas e pontos uma história sem pé nem cabeça sobre uma mulher guerreira que
tinha existido milhares de anos atrás.
A
Andarilha, como era chamada, andava de vilarejo em vilarejo combatendo demônios
e dragões, salvando povos inteiros da destruição sem quase nunca receber algo
em troca. Em uma de suas batalhas, recebeu a ajuda inesperada de outra mulher, que
a partir de então passou a acompanhá-la em suas aventuras. Certa noite, quando
conversavam perto da fogueira, a Andarilha dividiu com a nova companheira os segredos
que seus ancestrais contavam nas noites da Grande Fogueira, verdades sobre o
ser e a terra, lições que assombrava e que fascinavam os corações de todos. Um
desses segredos era a história do surgimento do mundo e de todas as coisas que
existem.
No
princípio, diziam, só o que existia era um imenso abismo. Certo dia, porém,
apareceu no fundo desse abismo um outro abismo, que era na verdade uma cópia
exata do primeiro, e que por isso mesmo tinha também um outro abismo no fundo, e
esse outro abismo tinha um outro abismo, que tinha um outro abismo, que tinha
um outro abismo, que tinha um outro abismo, que tinha um outro abismo, que
tinha um outro abismo, que tinha um outro abismo, que tinha um outro abismo, que
tinha um outro abismo,
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