Não
fale o silêncio, disseram.
Melhor
ficar em silêncio, disseram na noite.
Diga
o que dizemos, diga o que queremos ouvir.
Não
diga o que não nos diz.
Se
eu ouço vozes?, perguntam-me.
Sim.
Sempre
ouvi.
Atentamente,
cada uma delas e todas.
ela
caminha devagar até a janela, apoia-se no parapeito e espia lá fora. “Então é
só um jogo”, ela sussurra. Ouve-se o ruído de carros e motocicletas, mais nada,
por alguns minutos. Qualquer palavra ganha um peso muito grande, cada pequeno
gesto é um significado demais. “Meu pensamento”, ela diz, “é aquele casal
atravessando a rua de mãos dadas a esta hora.”
(Será
que ainda pode piorar?, às vezes eu acho que isso tudo ainda é só a antessala
do Absurdo.
Derramaram
uma gota do meu sangue, não era nada. Roubaram frutos do meu trabalho, nasceram
outros. Me feriram sem querer, por querer, por prazer, por nada. Na manhã
seguinte, eu já nem me lembrava. Derramaram três ou quatro gotas do meu sangue,
se doeu, foi pouco. Trataram-me com desprezo, acontece o tempo todo, acontece
com todo mundo, acontece, coisas ruins acontecem. Fizeram coisas ruins
acontecer comigo. Fizeram de propósito, eu sei, quiseram mesmo que eu soubesse.
Derramaram mares do meu sangue, agonizei, tiraram de mim o quase nada que no
fim já era menos do que um resto de migalhas, derrotaram até a mais remota
chance de talvez ter esperanças. Agora ficou só um imenso NÃO esvaziando as
sobras. E ainda está tudo bem comigo. A vida continua.
(Há
muitos anos frequento este mesmo café e só agora reparei, ao lado da cristaleira,
em um pequeno tripé de ferro com um tampo de mármore muito branco e, sobre ele,
um pequeno vaso de porcelana contendo uma única rosa que daqui até parece de
verdade, mas que é de um azul meio improvável.
“Por que será que desenham flores em vasos de flores”, eu penso, e suponho
que nada disso acrescentará nada em absolutamente nada na minha vida. Melhor
não reduzir tudo a uma única explicação, sabe, é melhor girar de novo as
lentes.)
Ou
porque eu tenho as palavras erradas
Ou
porque eu não tenho nenhuma
Ou
porque eu tenho palavras demais
Ou
por que cargas d'água meu Deus
Há
quando o conhecer dispersa há quando o não saber concentra
Há
quando o pertencer liberta há quando o ter quer ir não deixa
Há
de antes
Adiantes
{à
sombra de um delírio em flor}
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