terça-feira, 5 de novembro de 2019

VOCÊ É BURRO
estudos arqueológicos apontam para a existência de inscrições como esta com mais de cento e quarenta e nove mil, seiscentos e setenta e dois anos de idade espalhadas em cavernas, portas de banheiro e comentários de internet,
disse-me o Mestre.

E me contou a história de Liu Dig-Dong Lerei da Montanha.

NINGUÉM PASSA POR AQUELA PORTA
foi a segunda frase mais falada e escrita desde que o tempo nasceu, disse-me o Mestre.
Era uma porta branca, dourada, azul, tão alta que ninguém nunca viu onde acabava.
E estava sempre fechada.

Diante da porta, acumulava-se uma multidão maior que a soma de todos os habitantes de todas as metrópoles de todas as eras.
A maioria chafurdava na lama, como porcos, porém muitos deles andavam eretos e vestiam roupas bem passadas, pareciam lúcidos e com tudo sob controle, e nunca diriam VOCÊ É BURRO usando exatamente essas palavras.

Liu Dig-Dong atravessou pelo meio deles sendo apedrejado, cuspido e humilhado até chegar aos pés da Grande Porta.

VAGABUNDO
BABACA ARROGANTE
VOCÊ É BURRO
NOJENTO IMUNDO
FRACASSADO
VOCÊ É BURRO

VOCÊ É BURRO

Liu Dig-Dong estava no limite de suas forças, coberto de feridas, e ao ver suas mãos trêmulas se erguendo em direção à maçaneta, devagar, a muito custo, os que estavam à sua volta riram e entoaram coros de FRACOTE e MULHERZINHA.

A porta se abriu com um simples toque na maçaneta.

A luz que vinha do outro lado cegou a todos por um instante, e fez com que os que estavam mais próximos se afastassem.
Todos, exceto um.
Exceto Liu Dig-Dong e mais um, corrigiu o Mestre.
Um homem magro, vestindo apenas uma pequena tanga, sentado em posição de meditação, de olhos fechados, movendo os lábios numa prece silenciosa.

“O que está fazendo?”, perguntou Dig-Dong.

“Estou pedindo aos céus que me deixem entrar”, respondeu o homem, sem abrir os olhos nem mover um só músculo.

“A porta está aberta”, falou Dig-Dong.

Mas o homem continuou em sua prece.

Dig-Dong olhou para o outro lado. Começava a se acostumar à luz e a identificar as formas do mundo que esperava por ele.

Que esperava por todos eles.

No momento em que Dig-Dong avançou, a multidão voltou a gritar, enfurecida.

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