quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Eva comprou um pequeno tabuleiro de jogo-da-velha com peças feitas de casca de coco, e a gente ia jogando no caminho até São Luís do Maranhão. Ela contava a história de uma atriz que tinha sido maltratada na rua por causa da personagem que interpretava na novela, uma vilã, e só porque essa estranha na rua não entendia que aquela na TV não era ela.

– Imagina isso num blog de literatura – falei. – Onde eu conte histórias, publique poesia... Acha que alguém vai entender a diferença entre mim e o eu-narrador, entre mim e o eu-lírico?

– O que mais me chama a atenção aí é você falar em blog como se isso ainda existisse – ela respondeu.

E me contou outra história, dessa vez sobre uma amiga que tinha sido demitida por causa de publicações na internet no início do século. Alguém da chefia achou que eram indiretas, e parece que uma dessas publicações chegou a causar algum problema de verdade, não lembro bem. Mas a mulher jurava que não, nunca, nem passou pela cabeça dela nada relacionado ao trabalho na hora de publicar. E Eva sabia que era verdade, conhecia até o motivo de uma publicação ou outra, mas ninguém acreditou, e no fim ela acabou não tendo a chance de desfazer o mal-entendido.

– Era uma grande amiga – ela falou. Pareceu se lembrar de algo divertido, olhou para mim sorrindo: – Ela implicava com o “te quiero”. Dizia que era sexual demais dizer que você quer alguém, ficava “indignada” que no espanhol isso pudesse substituir “eu te amo”. O “eu te amo” já tem gente que não consegue separar do desejo, né?... Eu vivia dizendo pra ela: “Te quiero”, “te quiero”, só pra encher o saco, mas também porque eu queria ela, mesmo. Faz tanto sentido, pra mim.

Pareceu que ia ficar melancólica, mas se ia, não deu tempo. Tinha acabado de ganhar a primeira partida de jogo-da-velha depois de umas oito derrotas consecutivas.

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