quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020



De repente, do nada, por nenhuma razão,
Surge essa voz interior lembrando que você fez bem, um dia,
Por ter ajudado aquela senhora a carregar as compras,
Por ter devolvido um troco que lhe deram errado,
Por ter poupado um desafeto de uma ofensa gratuita.

Às vezes, quando você está distraído com qualquer outra coisa,
Surge essa voz dizendo que você agiu mal, muito mal, mal mesmo,
Quando ignorou um pedinte que obviamente passava fome,
Quando não segurou a porta de um elevador para um atrasado,
Quando riu dos defeitos de alguém, ou não retribuiu gentilezas.

Quase sempre, ao fazer coisas por aí, surge essa voz dizendo
Que você fez bem, ou que você fez mal, no instante em que você as faz,
De modo que algumas vezes dá tempo até de desfazer um mal feito, ou
Só pedir desculpas, ou, se ninguém reparar numa atitude louvável,
Você pode dizer a si mesmo Parabéns, quem sabe até dar-se um prêmio.

Mas sempre, o tempo todo, não importa o que você faça,
Surgem essas duas vozes simultâneas repetindo, contínuas,
Você fez bem e Você fez mal, sem que se possa nunca ter certeza de
Qual delas diz a verdade, qual delas está mentindo – e é este não saber, afinal,
A maldição de todos os seres, além de ser a sua liberdade.

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