Ninguém foi esperá-lo na rodoviária.
Eram dez horas da noite e Joaquin parado ali sozinho, fumou um cigarro e acabou
embarcando num táxi, rua tal, número tal, mas vai pela avenida. Aí na avenida
aconteceu uma cena: o táxi andou por um tempo ao lado de outro carro, e lá,
dirigindo esse outro carro estava a sua amiga Soraia, e ela também viu e reconheceu
Joaquin, e os dois sorriram, depois ela dobrou uma esquina e desapareceu de
vez. Ele ainda estava distraído quando o motorista reduziu a marcha, um bom
tempo depois, e estacionou à beira de uma praça mal iluminada de onde partiam
vários becos ainda mais escuros. O taxista apontou pra um desses becos e disse
rua tal é aquela ali, é uma passagem só de pedestres. Ele pagou a corrida e
desembarcou carregando o malão com todas as amostras de venda, todo o seu
trabalho. Quando o carro se foi, tudo ficou mais escuro, e só então ele reparou
nos diversos grupos de pessoas espalhados pela praça. Olhavam pra ele e
conversavam entre si falando baixo. Por um segundo, ele teve medo, depois
atravessou pelo meio deles, caminhou pelo beco, a passos meio rápidos, atento,
até encontrar a pequena porta de madeira escura em um muro coberto de folhas
verdes, número tal era aquele ali, ele apertou a campainha. Quién és?,
perguntou alguém, ele falou Soy Joaquin, então uma senhora abriu a porta e
disse Seja bem-vindo, querido, estávamos te esperando.
Joaquin passou quase um mês naquela casa
enorme em pleno centro histórico da cidade, uma construção de uns duzentos
anos, no mínimo. Durante o dia, saía trabalhar, e à noite ia parar quase sempre
na biblioteca da casa, uma biblioteca daquelas com escadinhas de correr na
frente das prateleiras. Eram livros demais, títulos demais, e ele acabava
escolhendo vários, meio aleatoriamente, depois sentava no sofá e lia até quase
de madrugada. Folheou os livros mais estranhos, biografias de gente sem graça,
filosofias obscuras, geometria, palavras de origem árabe na língua portuguesa.
Passava mais tempo com os de poesia, utopias sociais, romances de aventura e
fantasia, humor inglês, fotografias, pseudo-ciências. Já não sentia medo ao
andar pelo largo, à noite, já conhecia pelo nome um bom tanto daquelas pessoas
suspeitas que falavam baixo por ali até mais tarde. Mas na maior parte do seu
tempo livre, apenas leu e observou das janelas a escuridão dos becos do centro
histórico, e viu a cidade como nunca tinha visto antes, dramática e suja, meio
cega, brilhante, oca.
A cidade que ele amou uma vez. Em que ele
tinha amado. A cidade.
No dia em que foi embora, ninguém foi levá-lo
na rodoviária, nem encontrou ninguém pela avenida. Embarcou sozinho, sentou à
janela do ônibus, olhou pra multidão que se juntava nas plataformas de
embarque, onde, com quase toda a certeza, não conhecia ninguém, e acenou em
despedida.
Estava tão cansado que dormiu logo em
seguida, um sono profundo que durou várias horas. Numa delas, acordou sendo
empurrado pela moça que ocupava a poltrona ao lado: sem querer, a cabeça dele
tinha caído no ombro dela enquanto dormia. Pediu desculpas e ela disse que não,
assim seco, numa voz bem grave. Ele ia dar uma resposta mal-educada, mas dormiu
de novo na mesma hora, e quando acordou, muitas horas depois, ela já não estava
mais lá.
Uma pena, pensou,
enquanto um cheiro adocicado ainda exalava do banco ao lado.
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