quarta-feira, 29 de abril de 2020

Numa das nossas muitas paradas pra descanso enquanto subíamos a Montanha Machu Picchu, encontramos uma dupla de italianos acomodados em uma grande pedra baixa e achatada. Nunca ficamos sabendo se os dois eram mãe e filho, amigos ou amantes, mas logo ficou evidente que o que estavam fumando ali, por mais que parecesse um cigarro comum, era, na verdade, maconha. Antero chegou a hesitar quando lhe ofereceram um trago, mas acabou recusando, ajeitou-se ao meu lado e resmungou baixinho: “Eu já estou lá”, o que me fez sorrir e lembrar de uma história de quando visitei os terraços circulares de Moray.

– Você esteve em Moray? – perguntei. Antero confirmou com a cabeça e eu continuei: – Também tinha um monte de gente meditando no alto ou no centro dos círculos? – Mais uma vez ele confirmou com a cabeça. – Eu estava incomodado com isso, no dia em que estive lá. Tinha tanta paz em volta da gente, era tão bonito. Tão forte. De alguma forma aquela coisa toda de meditação parecia desnecessária, até meio teatral.

Antero sorriu, compreendendo, e ia responder quando os italianos começaram a fazer perguntas sobre nós e as nossas viagens recentes. Queriam saber muitas coisas a respeito do Brasil, que era o próximo lugar que queriam conhecer. Rio de Janeiro. Cataratas do Iguaçu, Rio Amazonas. Não sabiam se iam conseguir ver tudo em uma só viagem, porque, pra isso, iam precisar de muito tempo e muito dinheiro, ou só muito tempo, ou só muito dinheiro.

Estávamos nessa conversa quando chegou um casal de meia idade, vindo do alto da Montanha, e parou diante da pedra, mas sem olhar em nossa direção. A mulher tirou da bolsa uma bala embrulhada em plástico vermelho, colocou sobre a pedra como sobre um altar e fechou os olhos pra uma oração silenciosa. Ficou ali um bom tempo, durante o qual chegamos a diminuir bastante o ritmo e o volume da conversa, em respeito ao seu momento. Assim que ela acabou, porém, olhou pra nós com uma expressão de censura, agitou o dedo indicador em nossa direção e disse em inglês:

– E vocês, mais respeito com o que é sagrado!

Depois, simplesmente se virou e continuou sua descida, acompanhada pelo homem. Nós nos entreolhamos tão surpresos quanto divertidos, e logo os italianos começaram a falar bem alto uma porção de coisas que não chegamos a entender por completo, porque falavam em italiano, mas que podíamos imaginar muito bem o que eram. Antero, inconformado, comentou comigo:

– Que grande gesto espiritual condenar uma planta enquanto oferece aos deuses uma pedrinha de açúcar embrulhada em plástico!

– Pois é – respondi.

Ficamos nos divertindo com isso durante alguns minutos, mas logo a conversa esfriou, o cigarro acabou e todos nós sentimos que era o momento de continuar a nossa caminhada. Os italianos já tinham partido quando terminamos de ajeitar nossas coisas nas mochilas, e estávamos de saída quando apareceram dois rapazes vindos do alto, conversando em espanhol, relaxados e distraídos. Pararam por um instante pra tomar fôlego, um deles com o pé apoiado na pedra em que estávamos sentados, mas sem parar de conversar, até que o outro abaixou os olhos e exclamou, animado:

– Oh, uma bala!

Pegou-a, assim, sem mais, desembrulhou e pôs na boca. Depois, continuaram andando, normalmente, sem nem por um segundo terem parado de conversar.

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