Ondas e rios que se espalham formando pequenos córregos, pessoas
que medem distâncias pelo tempo que dura a viagem, prismas espelhados, constelações
alheias aos desenhos que formam, raiz e raios, artérias de uma folha e seiva
atravessando as horas. Uma sombra ainda paira sobre todas as almas, e todas
elas, dóceis, entregam-se a todo custo à negação contínua de si mesmas.
Interiores não alcançáveis, sentidos proibidos palpitam em tocaias, tudo desaba,
deságua, tudo vem à tona mais cedo ou mais tarde.
Tomou um fósforo, acendeu o seu cigarro. O dia estava com o
tom perfeito de melancolia e azul claro. Da janela, assistia ao vaivém dos
carros entre a Avenida Paraná, a Costa e Silva e a República Argentina. Gostava
de caleidoscópios. Podia passar a vida inteira jogando amarelinha com Cortázar.
Se tivesse algum superpoder, queria estar além do tempo todo, mas tinha que
viver nos intervalos.
Imagine se um mapa desenhasse por acaso as suas linhas
exatas no vidro quebrado. Tente não chorar, sem ser um personagem, nem ver o
que há de nuvem nas palavras de certeza, manchas de nascença ou cardumes de
peixinhos prateados.
Todo um amor, sim, porque não existe outra palavra pra isso,
aconchega a Terra no manto atmosférico, é o movimento dos passos, vibra, cheira
a vida, brilha e colore ainda quando é saudade escurecendo as pinturas, um
paraíso perdido, a solidão de conhecer tão bem as diferenças entre iguais. Anúncios
publicitários prometem mares nunca navegados, banqueiros e grandes empresários tentam
lustrar os seus jardins carnívoros, o tempo exige que se gaste, es muss so
sein, abismos de incompreensão se abrem. Mas o chão é de humanidade. O
entorno é bem mais dentro. E quem pode fazer com que se afastem, assim como se
a dança pudesse escolher entre a música, a poesia e o teatro?
Pensou em ligar pra Cristina ou pro Roger, depois achou que
era egoísmo demais querer dividir com alguém o seu fardo.
Procure
não julgar, aprenda a discernir, amarre os cadarços e não leia os manuais
completos. Siga as suas teias, atenha-se às sinapses. Talvez você não conheça a
sensação de estar a centenas de quilômetros de casa e de repente dar de cara
com um velho conhecido ou um colega do trabalho, mas percorra com mais tempo e
mais atentamente os muitos substratos do seu ser, você vai encontrar vidas
inteiras tão diferentes da sua, e ainda assim tão suas.
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