segunda-feira, 6 de abril de 2020

Ondas e rios que se espalham formando pequenos córregos, pessoas que medem distâncias pelo tempo que dura a viagem, prismas espelhados, constelações alheias aos desenhos que formam, raiz e raios, artérias de uma folha e seiva atravessando as horas. Uma sombra ainda paira sobre todas as almas, e todas elas, dóceis, entregam-se a todo custo à negação contínua de si mesmas. Interiores não alcançáveis, sentidos proibidos palpitam em tocaias, tudo desaba, deságua, tudo vem à tona mais cedo ou mais tarde.

Tomou um fósforo, acendeu o seu cigarro. O dia estava com o tom perfeito de melancolia e azul claro. Da janela, assistia ao vaivém dos carros entre a Avenida Paraná, a Costa e Silva e a República Argentina. Gostava de caleidoscópios. Podia passar a vida inteira jogando amarelinha com Cortázar. Se tivesse algum superpoder, queria estar além do tempo todo, mas tinha que viver nos intervalos.

Imagine se um mapa desenhasse por acaso as suas linhas exatas no vidro quebrado. Tente não chorar, sem ser um personagem, nem ver o que há de nuvem nas palavras de certeza, manchas de nascença ou cardumes de peixinhos prateados.

Todo um amor, sim, porque não existe outra palavra pra isso, aconchega a Terra no manto atmosférico, é o movimento dos passos, vibra, cheira a vida, brilha e colore ainda quando é saudade escurecendo as pinturas, um paraíso perdido, a solidão de conhecer tão bem as diferenças entre iguais. Anúncios publicitários prometem mares nunca navegados, banqueiros e grandes empresários tentam lustrar os seus jardins carnívoros, o tempo exige que se gaste, es muss so sein, abismos de incompreensão se abrem. Mas o chão é de humanidade. O entorno é bem mais dentro. E quem pode fazer com que se afastem, assim como se a dança pudesse escolher entre a música, a poesia e o teatro?

Pensou em ligar pra Cristina ou pro Roger, depois achou que era egoísmo demais querer dividir com alguém o seu fardo.

Procure não julgar, aprenda a discernir, amarre os cadarços e não leia os manuais completos. Siga as suas teias, atenha-se às sinapses. Talvez você não conheça a sensação de estar a centenas de quilômetros de casa e de repente dar de cara com um velho conhecido ou um colega do trabalho, mas percorra com mais tempo e mais atentamente os muitos substratos do seu ser, você vai encontrar vidas inteiras tão diferentes da sua, e ainda assim tão suas.

Nenhum comentário: