mal conseguia dividir com vírgulas e eu
tentando lhe explicar que a luz distorce o espaço,
que a luz anda tão rápido que o tempo deixa de
fazer sentido,
nem gostava de poesia e eu tentando lhe
explicar que num poema “eu” e “você” são pura imagem e não pessoas reais,
não querendo caminhar na superfície, longe dos
bares e cafés onde as definições de tudo tinham que ser sempre as menos óbvias
como “solidão é não ter pra quem ligar numa segunda à tarde”,
mas ela gostava do lugar-comum e eu nunca acreditei
nos homens que não choram,
gostava mesmo era dela,
acho até que muito mais do que seria
aconselhável se gostar de alguém,
não éramos opostos, só atraídos, até o dia em
que ela me deu as costas como se eu morresse, ou ela, e todos os sonhos
despencaram do seu castelo nas nuvens sem deixar nem ao menos um cheiro de
chuva,
seria mais fácil se as histórias inventadas
tivessem menos consequências reais,
seria mais fácil entender que um mais um não
são dois do que seguir em frente só um,
segunda-feira eu não liguei, ainda febril e
delirante achando que
sua raiva atravessava a cidade e reverberava
nas paredes do quarto em que eu passava a noite escura da minha alma,
durou bem mais do que mil anos,
e quando amanhecia,
saí pelas ruas visitando universos em que ela,
em nossos tempos, nunca teve coragem de me acompanhar,
casas de umbanda, teatro interativo, livros de
foucault,
numa conversa alguém me disse
“amarelo-almodóvar”,
um balconista a quem pedi cigarros perguntou
“há quanto tempo a gente tenta te dizer que não?”,
uma garota punk ao pé da escada me abraçou ao
meio-dia
e eu já não era aquele ser barroco estilhaçado agonizante
estranho aos deuses e à vida prática,
no fundo de um mar de mágoas
tentando respirar
entre as algas.
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