quinta-feira, 25 de junho de 2020

Esta é uma história que ouvi uma vez como se fosse verdade e não me lembro muito bem de onde ou quem contou, mas a julgar pelo estilo, época e cenário, acredito que tenha sido meu velho amigo antropólogo, violinista e poeta mineiro Antônio Rosales, o Tonho – e que ele me corrija se eu estiver errado. Aconteceu que, um dia, ele andava pelas ruas de uma dessas cidades muito cheias de ladeiras e casas antigas, acompanhado de seu amigo Pablo, quando, ao dobrar uma esquina, viu-se diante de um pequeno prédio que, construído ao pé do morro, lá embaixo, tinha os andares mais altos na altura de seus olhos. Assim, podiam ver quase que de frente a cena que se desenrolava no telhado, de onde outro poeta bastante conhecido na cidade ensaiava se jogar – pelo que se dizia, por causa de uma rejeição amorosa, embora isso realmente não faça nenhuma diferença. Tonho e Pablo ficaram ali, por um instante, observando o povo que se aglomerava nas calçadas, curiosos que espiavam pelas frestas das janelas e bêbados que discutiam em mesas de bares, todos sem poder desviar os olhos, enquanto o poeta, lá no alto, se alternava entre tomar notas num caderno, dar grandes goles de uma garrafa de cachaça e espiar pela beirada, lá pra baixo, como se reunisse coragem. Um perceptível tremor se espalhava, as beatas se benziam, alguns davam risada, de nervosismo ou de escárnio, e uns jovens chegavam a gritar, impacientes, “Pula logo”, mas nada acontecia, tudo demorava. Tonho e Pablo permaneceram assim, hipnotizados, absorvendo todos os detalhes, até que uma certeza súbita alcançou o Tonho, clara como água: “Amanhã tem sangue nos jornais”, falou. “Você acha que ele pula?”, perguntou Pablo, mas o Tonho se limitou a erguer as sobrancelhas, pendendo a cabeça pro lado: “Ou publica”.

Nenhum comentário: