Esta é uma história que ouvi uma vez como se
fosse verdade e não me lembro muito bem de onde ou quem contou, mas a julgar
pelo estilo, época e cenário, acredito que tenha sido meu velho amigo
antropólogo, violinista e poeta mineiro Antônio Rosales, o Tonho – e que ele me
corrija se eu estiver errado. Aconteceu que, um dia, ele andava pelas ruas de
uma dessas cidades muito cheias de ladeiras e casas antigas, acompanhado de seu
amigo Pablo, quando, ao dobrar uma esquina, viu-se diante de um pequeno prédio
que, construído ao pé do morro, lá embaixo, tinha os andares mais altos na
altura de seus olhos. Assim, podiam ver quase que de frente a cena que se
desenrolava no telhado, de onde outro poeta bastante conhecido na cidade ensaiava
se jogar – pelo que se dizia, por causa de uma rejeição amorosa, embora isso
realmente não faça nenhuma diferença. Tonho e Pablo ficaram ali, por um instante,
observando o povo que se aglomerava nas calçadas, curiosos que espiavam pelas
frestas das janelas e bêbados que discutiam em mesas de bares, todos sem poder
desviar os olhos, enquanto o poeta, lá no alto, se alternava entre tomar notas
num caderno, dar grandes goles de uma garrafa de cachaça e espiar pela beirada,
lá pra baixo, como se reunisse coragem. Um perceptível tremor se espalhava, as
beatas se benziam, alguns davam risada, de nervosismo ou de escárnio, e uns
jovens chegavam a gritar, impacientes, “Pula logo”, mas nada acontecia, tudo
demorava. Tonho e Pablo permaneceram assim, hipnotizados, absorvendo todos os
detalhes, até que uma certeza súbita alcançou o Tonho, clara como água: “Amanhã
tem sangue nos jornais”, falou. “Você acha que ele pula?”, perguntou Pablo, mas
o Tonho se limitou a erguer as sobrancelhas, pendendo a cabeça pro lado: “Ou
publica”.
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