Ninguém
ouvia o grito.
Nem
poderiam fazer nada se escutassem.
Cidades
inteiras desmoronavam no meu peito, eu já não tinha um reino pra oferecer em
troca de um cavalo que me levasse de lá, chovia fogo, em minhas mãos começava a
secar o sangue dos amigos que morreram nos meus braços.
Mas
era uma quarta-feira à noite, eu estava na casa da Janaína e ela estava preparando
um bolo pro aniversário de um sobrinho.
Falávamos
sobre qualquer coisa do trabalho, ou sobre alguém, não lembro, e de repente
reparei no quanto ela estava concentrada no que fazia. Era uma espécie de
oração, tinha algo de muito sagrado em estar preparando aquele bolo.
Submersa
em um tipo de transe amoroso, como se não existisse nada mais bonito e importante
no mundo, sem desviar os olhos nem por um segundo, em silêncio, esquecida de
mim, de tudo, espalhava os morangos sobre o bolo como se dançasse, ou como se provasse
um vestido, e por um instante sorriu, encantada com o que fazia.
Eu
poderia suportar o horror, enfrentar a morte de peito aberto, receber todos os
golpes, perder tudo de novo e de novo, mas só queria que nada no mundo fosse
capaz de roubar da Janaína a sensação daquele instante.
A dor maior do amor
não é quando lhe falta reciprocidade. A dor maior do amor é quando ele nos obriga
a olhar de frente pra essa nossa impotência.
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