sábado, 4 de julho de 2020

Luzalegre, 25 de julho de 2012

Ruth;

minha querida, para as nossas bodas, te preparei um poema, mas queria mais que ele soasse como a minha voz ao teu ouvido, numa tarde ensolarada de domingo, passeando à beira de um lago. Com alguma brisa. Ao longo de todos esses anos, dia após dia repetimos “eu te amo”, sempre tão seguros de que aquilo que sentimos seja amor, nunca nos fez falta explicar nada disso a nós mesmos, e apesar de que nos amamos já de tantas formas diferentes, mesmo agora não existe outra verdade ou por que falar de outro jeito se não “eu te amo”.

Eu. Menino da primeira vez que te encontrei, crescendo enquanto você caminhava em minha direção no altar, vivendo, te vendo, vivendo e envelhecendo e ainda assim menino toda vez que te encontro, sei, por ter estado ao teu lado em cada ciclo de lua que passou, encontro na tua voz, no olhar, no gesto, reconheço no ir e vir das tuas marés, máscaras e lentes e palavras demais para um dia a dia vazio ou para o que é indizível, percebo o teu amor, recebo o teu amor, sou teu, sou grato, é como se a única realidade comprovável fosse mágica.

Te amo nas manhãs mais cinzas, nas semanas agitadas de muito trabalho, no vermelho do outono, no verso e na melodia, naquele tempo que você botou na cabeça que ia ser artista plástica e nós vendemos a brasília e transformamos a garagem em ateliê, nos nossos filhos, às vezes quando te odeio e sempre que estamos muito quietos distraídos ou maravilhados olhando uma paisagem, sinto um vulcão de sentimentos e sentidos, desejo despertando o corpo todo ou pétala de algum perfume que embriague, então o coração também tem personagens, então também a alma dos santos é uma legião de luzes e de sombras, é sempre novo o sopro que me move, e de toda vez eu me devolvo inteiro para o teu abraço.

Outro dia me ocorreu, é possível que eu tenha mais lembranças de nós dois juntos que de mim sozinho. E isso me pareceu grandioso e admirável, algo que poderíamos gravar em uma placa de bronze. Se era esse o livro da minha vida, se é assim que acaba, então aceito, sim, e pode até deixar que eu mesmo conto. Nenhum outro final faria mais justiça a esse ser feliz para sempre, desde aqui, para qualquer dos lados que se vá no tempo.

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