Viajei
sozinho pelo Nordeste por mais de um mês depois de ter conhecido Eva em João
Pessoa. Daquela vez, tínhamos conversado muito pouco; havia sempre algum outro
homem por perto investindo em uma relação mais íntima com ela – e embora ela
não desse mostras de ter se envolvido, de fato, com nenhum deles, também não
fazia nada pra que eles se afastassem. Nem chegamos a trocar celulares ou
contatos no Facebook, daquela vez; mal nos despedimos antes de seguirmos cada
qual o seu roteiro, mochilando no litoral nordestino. Agora eu estava em Barreirinhas,
no Maranhão; tinha acabado de me informar sobre como chegar aos Lençóis e fui
tomar um suco em uma padaria. Poucos minutos depois de eu ter chegado, Eva
entrou, sozinha, e imediatamente olhou em minha direção.
Rever
um rosto conhecido quando se está fazendo uma viagem longa como as nossas é
sempre emocionante. Por mais superficial que tivesse sido nosso contato um mês
antes, caímos nos braços um do outro e desatamos a conversar como velhos amigos
que se reencontram cheios de novidades. Eva pediu uma cerveja e eu passei a
acompanhá-la assim que terminei meu suco, e já estávamos na metade da segunda
garrafa quando ela se sentiu à vontade pra dizer:
–
Tenho que confessar que fiquei aliviada por você não ter dito nada do tipo “Eu
não acredito em coincidências” ou “Nada acontece por acaso” quando a gente se
encontrou...
Sorri.
Não era a primeira vez que o meu percurso coincidia em mais de um ponto com o
de outro mochileiro e, a julgar pelo comentário, o mesmo já devia ter
acontecido a ela. Mas não podia deixar passar um tema de conversa tão
interessante sem ser absolutamente sincero:
–
Quando eu tinha uns dezessete anos, – falei – entrei em um caminho pro qual eu
não estava preparado. Aconteceram umas coincidências muito estranhas na época,
envolvendo sonhos e cartas psicografadas, e logo em seguida eu li um livro
chamado A Profecia Celestina, que
fala das coincidências de uma perspectiva mística. Mas eu tive que parar com
aquelas coisas, não estavam me fazendo bem... Só depois de muitos anos voltei a
dar alguma atenção a esse assunto. A verdade é que quanto mais você presta
atenção às coincidências, mais elas acontecem. Em níveis cada vez mais
profundos, e incluindo eventos que poderiam ser chamados de telepatia, precognição,
clarividência... Pra mim, são eventos perfeitamente normais, mas entendo o
ceticismo em torno disso.
Ela
me encarava em silêncio, com um traço indisfarçável de desagrado no olhar. Era
justamente por causa daquilo que eu não costumava, mesmo, dizer coisas do tipo
“Nada acontece por acaso”. Como eu tinha acabado de falar, entendia o ceticismo
em torno do assunto, e nunca tive vocação pra ser um pregador. Daquela vez, no
entanto, o acaso tinha sido realmente generoso, e tudo o que precisei fazer foi
tirar da mochila o livro que eu estava lendo.
–
Abre aí na página marcada – falei, entregando o livro a ela.
Ela
abriu.
Bem rápido, jogou o livro na mesa de forma um pouco teatral, mas sua expressão agora misturava raiva com divertimento.
–
Eu não acredito nisso – falou.
Divertido,
também, dei de ombros.
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