sexta-feira, 10 de julho de 2020

Viajei sozinho pelo Nordeste por mais de um mês depois de ter conhecido Eva em João Pessoa. Daquela vez, tínhamos conversado muito pouco; havia sempre algum outro homem por perto investindo em uma relação mais íntima com ela – e embora ela não desse mostras de ter se envolvido, de fato, com nenhum deles, também não fazia nada pra que eles se afastassem. Nem chegamos a trocar celulares ou contatos no Facebook, daquela vez; mal nos despedimos antes de seguirmos cada qual o seu roteiro, mochilando no litoral nordestino. Agora eu estava em Barreirinhas, no Maranhão; tinha acabado de me informar sobre como chegar aos Lençóis e fui tomar um suco em uma padaria. Poucos minutos depois de eu ter chegado, Eva entrou, sozinha, e imediatamente olhou em minha direção.

Rever um rosto conhecido quando se está fazendo uma viagem longa como as nossas é sempre emocionante. Por mais superficial que tivesse sido nosso contato um mês antes, caímos nos braços um do outro e desatamos a conversar como velhos amigos que se reencontram cheios de novidades. Eva pediu uma cerveja e eu passei a acompanhá-la assim que terminei meu suco, e já estávamos na metade da segunda garrafa quando ela se sentiu à vontade pra dizer:

– Tenho que confessar que fiquei aliviada por você não ter dito nada do tipo “Eu não acredito em coincidências” ou “Nada acontece por acaso” quando a gente se encontrou...

Sorri. Não era a primeira vez que o meu percurso coincidia em mais de um ponto com o de outro mochileiro e, a julgar pelo comentário, o mesmo já devia ter acontecido a ela. Mas não podia deixar passar um tema de conversa tão interessante sem ser absolutamente sincero:

– Quando eu tinha uns dezessete anos, – falei – entrei em um caminho pro qual eu não estava preparado. Aconteceram umas coincidências muito estranhas na época, envolvendo sonhos e cartas psicografadas, e logo em seguida eu li um livro chamado A Profecia Celestina, que fala das coincidências de uma perspectiva mística. Mas eu tive que parar com aquelas coisas, não estavam me fazendo bem... Só depois de muitos anos voltei a dar alguma atenção a esse assunto. A verdade é que quanto mais você presta atenção às coincidências, mais elas acontecem. Em níveis cada vez mais profundos, e incluindo eventos que poderiam ser chamados de telepatia, precognição, clarividência... Pra mim, são eventos perfeitamente normais, mas entendo o ceticismo em torno disso.

Ela me encarava em silêncio, com um traço indisfarçável de desagrado no olhar. Era justamente por causa daquilo que eu não costumava, mesmo, dizer coisas do tipo “Nada acontece por acaso”. Como eu tinha acabado de falar, entendia o ceticismo em torno do assunto, e nunca tive vocação pra ser um pregador. Daquela vez, no entanto, o acaso tinha sido realmente generoso, e tudo o que precisei fazer foi tirar da mochila o livro que eu estava lendo.

– Abre aí na página marcada – falei, entregando o livro a ela.

Ela abriu.




Bem rápido, jogou o livro na mesa de forma um pouco teatral, mas sua expressão agora misturava raiva com divertimento.

– Eu não acredito nisso – falou.

Divertido, também, dei de ombros.

Nenhum comentário: