sábado, 14 de novembro de 2020

bravos irmãos
gentil senhora
menina gentil – brava menina e menino gentil
meninos irmãos
bravas mulheres e homens com seus gestos transparentes de acolhimento
copos de água pra quem tem sede
vento gentil à sombra a quem tem caminhado uma longa estrada
a palavra de entrega e presença
a voz clara
calmos guerreiros atentos e de atitude amiga
é uma existência já exausta
a que trago atrás dos olhos às portas de suas casas
eu o forasteiro
sem irmãos sem leis já quase sem vontade
bravas guerreiras
doces irmãos doces e bravos
queridas irmãs de meu coração sem amparo

todo este continente atravessei maravilhado e triste
constantes eternidades sendo gravadas a fogo no mais fundo da memória
tenho amado homens e mulheres de tantas músicas na fala
de tantas línguas nativas e estrangeiras por aqui espalhadas
mas não posso pertencer nem amo nada que acredite possuir o que seja
não reconheço autoridades nem haverá jamais governo que me represente
por todas essas terras amei e me despedacei partindo sempre
ouço ainda os lamentos
vejo ainda os povos tentando levantar exércitos
vejo ainda os povos que acreditam só estarem de pé graças aos seus exércitos
vejo os povos que tombam
tenho chorado mais que as águas deste rio que me trouxe
tenho chorado os rios que a ele se juntam até transbordarem o mar salgado
meus olhos mal conseguem enxergar de tantas águas
minhas mãos trêmulas já não suportam o peso da bagagem
meus pés se recusam ao próximo passo
estou sozinho demais em uma época hostil
e não tenho outra época

ouçam
não tenho mais amores pra cantar nem versos que me confortem
não há nada de mim sob meu nome e renuncio a tudo que ainda seja máscara
transformações bem mais profundas têm se desdobrado ocultas em minha alma
e eu tenho sede delas
me alegra que eu tenha chegado a este porto e que fossem vocês que estivessem perto
me saciam seus pães
seus amores suas vozes fortes quando me desejam boa tarde
vejam
meu corpo precisa de repouso
meus sonhos velhos querem se deitar às margens de suas matas
beber seus pássaros azuis
as flores vermelhas da praça

irmãos
rainhas descalças
elementais das ruas e do concreto
me abracem
me deixem ficar mais um pouco
é hora
de compreender com meu corpo
o que é jamais ir embora

Nenhum comentário: