sábado, 19 de dezembro de 2020

Que eu quisesse ser outro e não este bandido que é um senhor da noite
e vaga sem rumo em todas as direções contrárias
faria com que o teu olhar se fixasse em mim
e brilhasse outra vez como o antigo mar das estrelas roubadas
por nosso medo do escuro?

Se em vez de te buscar em todas as mulheres que me escapam
ou despir continuamente a minha alma cada vez mais solitária
eu me jogasse aos teus pés e confessasse que não te pertenço
mas que ofereço todo o meu não-pertencer por uma vida de encontros
aceitarias finalmente que eu me acomodasse em nós?

Onde eu guardasse o meu ouro e meu temor de já não tê-lo
entrarias nua e vendada ao risco de ser feita prisioneira
de um amor desigual até que eu me livrasse dos espelhos
e só me quisesse em teu rosto – centro do meu universo
e tempo da minha história inteira?

Porque eu não fosse de rua e de tantos segredos
nem me lembrasse dos monstros que há por trás das máscaras
teria abrigo em teu corpo para ser só um homem
feliz e agradecido por haver chegado ao termo
que é o princípio e o caminho e nosso único propósito?

Como eu deixasse o silêncio e o vazio dos meus sentidos
para me embriagar do som estranho de uma vida a duas vozes
inventando um mesmo canto, deixarias também a tua descrença
para fingir comigo algum encantamento
que deveras nos encante?

Quando eu chegasse exausto e velho da jornada
feita de tantos não-ter-ido para ficar ao teu lado
te encontraria ainda presente nessa mesma esfera de delírio
no haver escolhido o mesmo passo ainda que não os caminhos
e além de ser e de estar, o ter inexistido em boa companhia?

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