“O
nome das coisas”, dizia sempre o Juruma, que era um negro adotado por brancos
com aquele nome feminino indígena, mas o Bernardo respondia “O lugar de cada
coisa”, e os dois ficavam em uma discussão interminável que pra mim não tinha
nenhum propósito, até porque no fim das contas a gente acabava pedindo pizza no
“Tem Pizza de Quê?” não porque o nome era engraçado ou porque ficava perto, mas
porque era mais barato, só que eu nunca reduziria tudo a uma questão assim tão
banal, “o preço de cada coisa”, ou talvez só pra perturbar ainda mais os dois naquela
discussão tão chata, então preferia ficar quieto, ia escolher algum livro na
prateleira, um disco, uma frase mais inteligente – pra mim tanto fazia.
“Quem
vota no Glauber pra comprar mais vodca?”, acabei dizendo, e o Bernardo
provocou, “Vamos comprar aquela vodca chamada Kafka pra ver se amanhã acordamos
transformados em insetos”. Aí o Juruma se remexeu na cadeira e começou a
discursar sobre o nome da nossa bebida, “Cuba-Libre”, que afinal misturava uma
bebida russa e uma norte-americana, “não dava pra escrever uma tese sobre as
leituras políticas desse nome?” Quis interromper pra dizer que a receita
original de cuba-libre era com rum e não com vodca, mas naquela mesma hora reparei
em livros de Maiakovski e Ginsberg lado a lado na prateleira e quase disse isso
em voz alta, só não falei porque os dois ficariam me olhando com cara de “E
daí?”.
Também
ninguém parecia se importar com o fato de que o Glauber não estava lá, e que a
pergunta tinha sido na verdade uma citação de um texto que eu tinha publicado
em meu blog havia poucos dias e que tratava de uma situação parecida. Um texto
que obviamente ninguém tinha lido. O que me chateava um pouco, é claro, mas
afinal eu sabia que o Bernardo, por exemplo, não gostava da minha poesia,
enquanto era um excelente amigo, ao mesmo tempo em que acompanhava o blog do vizionarios, de quem ele nunca gostou pessoalmente
Cada um falava de uma
coisa e aquilo ia por caminhos tortuosos, vamos fazer um filme, sim, vamos
fazer um zine, ninguém se lembrava mais qual copo era de quem ou qual carteira
de cigarros, revistas em quadrinhos e revolução operária, cuba-libre com kafka,
Juruma de repente cruzava as pernas e fechava os olhos parecendo um monge
budista meditando, Bernardo prolongava algum monólogo sobre como a
pós-modernidade e a globalização ainda veriam um retrocesso ao fascismo e a um
nacionalismo depravado, eu lamentava o capitalismo, eu tinha ideias tão antigas
tão à frente do meu tempo, eu planejava mudar o curso de tantas coisas.
(Diários de Machu Picchu #24)
“Ok”, rosnou Bernardo, “mas nada a ver Diários de Machu Picchu, nada ver um desenho que você só vai fazer daqui a uns dez anos”.
E ele estava certo, é claro, mas àquela altura eu já não tinha mais a menor condição de entrar em uma discussão metalinguística.
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