sábado, 23 de janeiro de 2021

Eu ria toda vez que ela me chamava de “meu fío”, porque ela tinha seis anos e estava falando sério. Estávamos sentados em frente à casa da avó dela, que era responsável pelo quarto que eu queria alugar, e enquanto alguém saiu pra chamá-la em algum outro lugar, a menina ficou ali pra me fazer companhia. Falando sem parar, ela me contava sobre os colegas da escola e as coisas que gostava de fazer nas férias, mal disfarçando uma careta sempre que seus olhos passavam pela tatuagem no meu braço. Estávamos em uma vila – ou, como eles chamam por lá, um arraial – junto ao Parque Nacional da Serra da Canastra, onde nasce o Rio São Francisco. Tinha ouvido falar desse lugar algumas vezes desde que cheguei a Minas, mas só me convenci a ir pra lá depois de conhecer um pessoal em Uberlândia que me falou tão apaixonadamente de lá que afastou qualquer dúvida que eu ainda tivesse. Isso fazia umas duas semanas, mais ou menos. Conheci outras cidades no Triângulo Mineiro até parar no município mais próximo ao arraial, de onde achei que poderia pegar um ônibus pra lá, mas não havia nenhum, e acabei indo pra estrada pedir carona. Era longe, acabaram sendo várias caronas, fui pulando de um caminhão pra outro até que um carro veio reduzindo a velocidade ao se aproximar de mim, abaixando o vidro do caroneiro, e então dois rostos familiares apareceram, sorridentes.

– A gente se conheceu em Uberlândia – disse um deles, o que era desnecessário, porque eu me lembrava bem.

O carro parou. O cara que estava dirigindo desceu pra me cumprimentar e abrir uma das portas do banco de trás.

– Mundo pequeno, né? – ele comentou, apertando a minha mão. Concordei, talvez com menos entusiasmo do que ele esperava, acostumado que estava às coincidências.

Mas não tinha como ser mais grato àqueles dois, pela carona e por tudo o que vim a encontrar mais tarde no arraial, um dos lugares mais incríveis em que já estive. Enquanto arrumava o quarto em que eu ia ficar, a avó daquela menina me falava sobre como é bom sair de casa sem se preocupar com ter que chavear a porta. Da pequena varanda em frente ao quarto, eu via, olhando pra um lado, um imenso mar de montanhas de vegetação rasteira e, do outro lado, mais mar – o mesmo mar verde se perdendo ao longe. Um silêncio pontilhado pelo canto dos grilos e dos pássaros, vez ou outra um cachorro latindo, raramente uma moto ou cascos de cavalo. Fiquei ali sentado por no mínimo umas duas horas, contemplando a paisagem e desejando ficar lá pelo resto da vida.

– Um dos caminhoneiros que me deu carona até aqui falou que são trezentos habitantes no arraial, verdade? – eu tinha perguntado à senhora.

– Claro que não – ela respondeu, e por um momento achei mesmo que era um exagero, que não podiam ser tão poucos assim, mas ela completou: – São uns duzentos e cinquenta.

Mais tarde, saí pra conhecer a vila, já completamente apaixonado por ela. Eram só duas ruas, e ao final fui parar em um campo de futebol onde havia umas crianças brincando. À sombra de uma árvore, no fim do campo, entre várias meninas, reconheci aquela que me fez rir me chamando de “meu fío”. Ela me viu também, acenou sorrindo e, quando cheguei mais perto, falou, parecendo impressionada:

– É a segunda vez que te encontro hoje!

– Pois é – eu disse. E depois não resisti: – Mundo pequeno...

Um comentário:

Beti disse...

Sensacional mundo pequeno😁😁