O mofo não saía da sua parede, o calo no calcanhar do único sapato bom que tinha pro trabalho. Era muito baixo, magro e desajeitado, as pessoas costumavam tropeçar nele, literal e metaforicamente de maneiras até demais. Ao que tudo indicava, seu maior defeito, além da falta de bíceps definidos, era gostar de poesia e vodca barata. Mas também pagava o dízimo - o farelo da migalha que sobrava - e trabalhava como um condenado de segunda a sábado.
E amava Lili, que não amava ninguém. Menina de igreja numa faculdade de artes, artista plástica extraordinária, um amor, cheia de vida e curiosidade. Foi ela que lhe falou pela primeira vez sobre Andy Warhol, Gaudi, foi ela que lhe ensinou o que significava a palavra "vanguarda". E gostava dele, mas não assim, nem queria pensar nisso agora, eles eram tão jovens. Até que ela conheceu o filho de um empresário meio famoso de uma capital meio conhecida em um país meio importante e desapareceu.
- Arte, ok, desde que seja bela - repetia o herdeiro que ela tomou por príncipe encantado. Dizia isso e depois dava uma risadinha arrogante, de quem conhece com profundidade a Matemática das Belas Artes, e como se a sua noiva fosse uma criança ingênua brincando de pintura em uma escolinha de fundo de quintal.
Ele não discutia política, é claro, mas achava que se todo mundo se esforçasse bastante, mas bastante mesmo de verdade, qualquer um poderia se tornar assim como ele! Falava sem parar e sempre encontrava um jeito de fazer a pessoa que ouvia se sentir mal consigo mesma, e ainda achar que se reagisse, estaria apenas confirmando que ela não prestava. Meio que o contrário do amor, ele era. Mas quando falava de amor, ninguém mais tinha razão, ninguém além dele mesmo compreendia.
O mofo não saía da parede. O calo no calcanhar, migalhas.
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