Então agora as cordilheiras me separavam de tudo que eu já tinha vivido. Eu estava com a sensação de ter chegado a um limite, atravessado um espelho, era uma terra antípoda de tantas formas, a beira de um abismo, e então aqueles navios e máquinas imensas debruçadas sobre o Pacífico e uma ideia que me parecia um pouco impossível de algo ainda mais adiante, no sentido do amanhã. Naquela tarde, pela rua, eu havia pedido informação a uma mulher que passava meio carregando e meio sendo carregada pelas mãos por dois meninos pequenos, ela acenou com a cabeça e disse alguma coisa que para mim soou apenas como ma iá, levei um tempo para entender que era más allá, em português ninguém diria mais lá, talvez lá está, mas logo ali, claro, na direção em que ela acenava com a cabeça, e eu passei o resto do dia relembrando como aquilo soava, quase podia ouvir a forma como ela tinha dito, ma iá. Agora pensava em Pablo Neruda e em sua casa Sebastiana, em sua poltrona chamada Nuvem. Eu o sentia como uma presença real, tanto quanto é real alguém poder ser feito de América ou ter um coração ou mãos de humanidade, ele caminhava ao meu lado como um velho e tão querido amigo me mostrando a sua cidade, orgulhoso, confortável. Quando chegou a hora, ele se foi, deixando-me sozinho para que os meus pensamentos silenciassem, que já bastava a inquietação do tráfego e aqueles ventos fortes arremessando o mar contra as rochas, era o final da tarde e o ar gelado e marinho me acordava, não dava para saber direito se era um recomeço ou um fim, foi a primeira vez na vida que eu vi o sol se por no mar e não pensava em mais nada, só de vez em quando ainda escutava ao longe, mas bem ao longe mesmo, ma iá.
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