sábado, 8 de janeiro de 2022

Teve a impressão de já ter vivido aquilo, em outros tempos, ou algo muito parecido, e sentia que o seu coração se inundava de uma dor luminosa como o poente sobre o pântano. Como se em todos os lugares habitasse a mágoa de ser só, mesmo que ecoassem multidões em festa, ela sentia os olhos úmidos, e então tentava não pensar. Cartazes contra o amor sem fim, daqueles que transbordam, códigos de como confessar qualquer mentira que a fizesse parecer humana, as farsas que iam acumulando no espaço pequeno demais antes do abismo que a separava do mundo, e lá longe uma chalana escorrendo com as águas. Teve a sensação de já ter tentado antes, inutilmente, mas ainda assim se debatia contra o peso inquieto de existir, apenas insustentável. 

Mal reparou quando ele veio sentar-se ao seu lado, silencioso, com a cabeça erguida em outra direção. Talvez nem tenha reparado de imediato no perfume, certamente não ouvia, ainda, a respiração que em breve estaria sincronizada com a dela. Por sorte, conteve um soluço, embora suspirando um pouco alto demais. Nada que o tenha assustado, ele apenas permanecia ali, e de repente lhe pareceu que ele estava incrivelmente perto. Quem sabe pela imensidão da paisagem, quem sabe porque era verdade. Mas não olhou para ele, apenas recebeu sua presença como a de um velho conhecido, um velho e muito querido amigo, ou um amante, ou um irmão que sempre havia estado por perto. 

E assim ficaram pelo que pareceram várias horas - e ainda que em seu coração ardesse uma pequena chama, era qualquer coisa que a aquecia e guardava muito mais do que a movia, como se de repente ela estivesse outra vez em casa. Lúcida, percebendo-se parte daquele cenário colorido de árvores multiplicadas ao infinito, ao mesmo tempo em que sentia como se flutuasse, e seu corpo era uma nuvem de carícias imaginárias, colo, um afago. Algo que a renovava ou revelava-lhe o que foi sempre, ou porque essas duas coisas eram simplesmente a mesma. Algo que permaneceria ainda por muito tempo depois que ele fosse embora, sem que os dois tivessem jamais trocado um único olhar, uma única palavra. Ou será que aquele havia sido o único verdadeiro diálogo?, o irrepetível, o inimitável, um fragmento louco da eternidade encravado no entardecer não contido.

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