Tantos poemas ainda não eram o suficiente, nem se eu gritasse acima dos telhados, ou confessasse entre lágrimas, algo em mim sempre se parte ao partir. Era assim, o sonho de conhecer Machu Picchu e tudo o que eu tinha vivido ali em trinta dias, e aquilo que ainda germinava sem que eu entendesse, e tudo o que já era familiar, mais nada.
Outra vez, Antero parecia entender o que se passava comigo, e andava quieto ao meu lado em direção à estação. Meu coração era um redemoinho, ou do contrário eu teria dito o quanto ele tinha marcado a minha vida, ou os olhos brilhantes de Ruth, como somente às vezes nos damos conta de estarmos vivendo coisas que serão lembradas pra sempre, e como elas acabam depressa.
Coisas que a gente se esquece de dizer.
Se não era naquelas calçadas que escrevi cada um dos meus versos, no topo daquelas montanhas parecendo impossíveis quase acima das nossas cabeças, com o furor das águas correndo, na cor dos mantos que saíam dos teares, com todo o meu corpo, no vai e vem silencioso dos habitantes de Machu Picchu Pueblo. Ou se eu pudesse devolver a Antero ou mesmo a Ruth só uma parte do imenso carinho que eles me entregaram, a porção de cura com que me abrigaram, se uma palavra minha tivesse a força de tudo o que ouvi deles e que ainda ecoava em minha cabeça agitada.
Frases que o vento vem às vezes me lembrar.
E agora, em meu caminho, estava outro tempo que eu tinha deixado pra trás, sentimentos já quase empoeirados, lembranças que eram como os móveis sob os lençóis brancos numa casa fachada. E o que eu não soube encerrar, e o que eu não pude, o que me esperava e o que não queria que eu voltasse, até mesmo em mim, tudo aquilo girando junto no redemoinho porque também as coisas que ficaram muito tempo por dizer, na canção do vento não se cansam de voar.
- Você sabe que não está voltando pra lugar nenhum, não é? - perguntou Antero, mais uma vez telepático. - Você sabe que não vai encontrar mais nada do que ficou pra trás, que é pra um lugar novo que está indo.
Aquilo silenciou um pouco os meus pensamentos.
Mas no vazio, o que surgiu foi a imagem de uma dançarina de saia alaranjada que eu passei dias procurando pelo povoado, em vão.
- Então - continuou Antero, - você pega o trem azul.
"O sol na cabeça", completei mentalmente. Uma canção dos anos 70. E foi de novo como um sopro de ar puro nos meus pensamentos, embora não afastasse de vez a imagem da dançarina, até pelo contrário.
Sorri. Olhei em direção ao trem e respirei fundo.
O sol pega o trem azul,
Você na cabeça.
O sol na cabeça.
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