fiquei sozinha outra vez.
não estava claro qual de nós chorava à janela, aquele rio de luzes brancas e vermelhas na avenida ao fim da tarde.
eu dobrava distraidamente uma folha de papel amarelo e pensava — não, sentia o peso de cobranças, frustrações, quebras de acordos.
eu bebia um drink alaranjado. vestia uma blusa cor de rosa e tinha o cabelo ainda preso em uma trança já meio desfeita, o esmalte lilás meio descascado, a maquiagem — ou talvez aquela não pudesse ser eu.
sem reparar, fui dobrando aquela folha de papel até que ela virasse um tsuru.
há quanto tempo já não faço cartas ou poemas manuscritos? um olho no relógio, a sensação constante de que nunca haverá tempo suficiente para tudo que eu quero, o que você quer?, nem mundo para tudo que eu preciso.
na penumbra, por um instante, pareceu-me que era outra pessoa ao espelho, com a trança já meio desfeita.
e de repente não sei, mas onde foi parar meu tsuru amarelo?
jéssica.
foi o nome em que pensei, a imagem nítida, enquanto afastava a caneca de café e esfregava com um dedo a gota preta sobre a blusa azul-marinho.
a centenas de quilômetros dali, jéssica pensou em mim ao encontrar um tsuru amarelo em um bolso onde um pouco antes não havia nada.
sim, meu coração pesava. a solidão que é única, as raízes que se tocam sob a terra, mas nunca soube de verdade onde foi parar meu tsuru amarelo.
nem no momento seguinte, quando o telefone tocou e me deparei com o nome de jéssica na tela.
— foi você? — ela perguntou.
— eu o quê? — perguntei.
nunca ficou bem claro qual de nós chorava.
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