Quando voltei a morar em Curitiba depois de ter ido embora duas vezes, ficou bem claro que não havia mais nada para mim por lá. Foram umas semanas sombrias em que me debati sem rumo, até finalmente arrumar as malas e ir ao encontro da vida que me esperava. Só o que me manteve mais ou menos são, naqueles dias, foi a presença do meu velho amigo Joaquin, que, por acaso, também estava dando uma chance à capital paranaense em sua vida ainda mais nômade que a minha. Aliás, tinha sido justamente esse nomadismo que nos aproximou cerca de dez anos antes, em um verão inesquecível da nossa juventude no litoral catarinense.
Joaquin parecia se encaixar ainda menos do que eu naquela capital, e muito logo se criou uma certa expectativa sobre qual de nós dois aguentaria menos tempo. Naqueles dias, ele estava particularmente incomodado com o fato de que uma das primeiras perguntas que ouvia ao conhecer alguém era "O que você faz?", referindo-se, obviamente, a uma profissão ou trabalho. E embora esse não fosse um comportamento exclusivamente curitibano, Joaquin achava que a pergunta era mais desagradável ali que em outros lugares, porque ali, dizia, as pessoas pareciam se pautar muito mais por questões de status social. Por isso, tinha desenvolvido o hábito de dar as respostas mais variadas à pergunta, muito raramente mencionando profissões, e indo das mais banais (como "panquecas" ou "estrelinha") às mais absurdas (como "coleção de moedas asiáticas do início do século passado"). E toda vez, ainda, depois de sua resposta inventada, acrescentava: "Mas não só isso."
— Eu meio que roubei essa ideia — confessou-me, um dia —, de uma garota que conheci na Bolívia e que respondia assim sempre que perguntavam a idade dela. Dizia o primeiro número que passava pela cabeça e mandava o "Mas não só isso". O que, aliás, serve pra quase toda resposta que a gente dá na vida…
Lembramos desse caso no aniversário dele naquele ano, quando nos encontramos para ir juntos ao Largo da Ordem comemorar com amigos. Repetimos tantas vezes o "Mas não só isso", para tantas situações e assuntos, que ele já estava um pouco desgastado quando saímos de casa, logo depois de anoitecer. Àquela altura, falávamos sobre as contradições entre a liberdade e as convenções sociais, distraídos demais para nos dar conta do caminho que estávamos escolhendo para ir ao centro naquele horário. Assim, quando pegamos a Visconde de Guarapuava lá o início, saindo do Cristo Rei, passávamos tranquilamente embaixo da trincheira enquanto Joaquin dizia:
— Às vezes, eu acho que sou livre até demais. Sabe quando você está tão solto que acaba parecendo mais com… — nesse instante, chegamos ao ponto mais alto da rua e vimos-na se estender para muito longe, coberta de pontos vermelhos dos faróis dos carros, completamente imóveis no congestionamento, de modo que Joaquin concluiu seu pensamento como se estivesse desistindo de falar, lenta e desapaixonadamente: — uma folha arrastada pela correnteza da Criação.
O silêncio nos minutos seguintes era cheio de impaciência e pensamentos tristes, carregado de toda frustração e incerteza que vínhamos carregando naqueles dias, até que ele decidiu colocar um pouco desses sentimentos em palavras:
— Você não se pergunta, às vezes, se não somos mesmo alguma dessas piores coisas que já ouvimos a nosso respeito? Se não somos só uns poços sem fundo de egoísmo, ou uma farsa completa, ou qualquer coisa tão abjeta que não merecia nem estar no mundo?
Pensei sobre as pergunta e depois respondi, devagar:
— Pra começar, acho que eu nem consigo confiar em alguém que nunca tenha se perguntado isso. E depois que… Sim, eu acho que nós somos. Tudo isso, talvez até pior. As piores pessoas do mundo. No mínimo, com toda a certeza, nós somos o pior que podemos ser. Mas…
Deixei a frase no ar sabendo que ele a pegaria, e foi interessante ver seus olhos se acendendo de repente, mais brilhantes que a luz de todos os postes e faróis de carros à nossa volta, enquanto dizia em voz baixa, claramente reanimado:
— Mas não só isso.
Um comentário:
Que lindo Roger!!
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