O fim.
Pousado sobre um travesseiro frio, na paz de um domingo ensolarado, entre uma taça e outra, no doce que amargou, em meio ao riso, nas estrelas dadas de presente, na poltrona ao lado, em duas caixas e uma mala, onde caiu a lágrima, nas novidades sem ouvinte, em um aceno vago.
O fim.
Pronunciado com a voz trêmula por alguém que daria tudo, que durou demais na eternidade para que possa entender, que ainda tem nas mãos uma rosa, que sabe de cor o caminho, que não tem toda essa força, que pediu tão pouco, que já está cansado, que ontem mesmo era tudo, que então nem imagina a razão.
O fim.
Provocado por enganos e fracassos, por abismos entre as almas, pela ausência de palavras, ou por um mar de palavras não ouvidas, ou por um oceano de palavras não compreendidas, por acaso, pela chuva à tarde, por um medo incurável, porque ninguém previa, só porque sim.
O fim.
Pontilhado por folhas secas no chão das praças, sobre a grama dos parques, nas margens dos rios, entre o meio-fio e o asfalto, nos quintais de casarões antigos, nos pátios de edifícios cinzas, nas escadarias de universidades, nas varandas, ao pé das árvores.
O fim.
Pontuado por um grande silêncio no interior dos táxis, das galerias de arte, de uma catedral vazia, de um coração em chamas, de um salão sem festas, dos elevadores cheios, de um cemitério à noite, de um jantar só para um, de uma carta não escrita, de um quarto escuro.
O fim.
Povoado de memórias ainda vivas em fotografias, nas páginas de um diário, no perfume de quem passa, em um por do sol alaranjado, em uma canção no rádio, em sabores de sorvetes, em filmes bobos na tevê, em sofrimento, em telefonemas adiados.
O fim.
Prolongado assim para além de si mesmo e para dentro de um completo despreparo para ele, atravessando todas as paixões mal ensaiadas, até rasgar a pele com um sopro suave, escorrendo em brasa como o sangue derramado, preservando o grito incompleto, preenchendo os intervalos entre qualquer esperança luminosa e mais um dia triste que nasce.
O fim.
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