quinta-feira, 30 de junho de 2016


“Já estive aqui antes”, pensei. E uma voz muito clara, muito mais 
profunda do que aquela respondeu: “O tempo todo”.
Cerro Campanário, Bariloche

Antes de sair, dei um bom tempo na cozinha do albergue conversando com as mulheres que trabalham lá. Quando disse que a próxima cidade que eu visitaria era Mendoza, elas fizeram a maior propaganda das mendozinas. E não era a primeira vez que eu escutava aquilo. É engraçado: todo mundo nesta viagem fica tentando me arrumar namorada. Especialmente uma namorada mendozina. No ônibus a caminho do Cerro Campanário, fiquei me perguntando se eu estava pronto pra isso, se eu queria realmente me envolver com alguém. Acabei concluindo que não, que meu coração estava “fechado como dedos”, como no poema do e. e. cummings. Mas foi só me vestir dessa certeza que embarcou no ônibus um grupo grande de mulheres, e as três mais bonitas delas pararam no corredor bem ao meu lado, de frente pra mim. Aí eu fiquei achando aquilo tudo uma piada sem sentido – enquanto o ar ia se enchendo com um cheiro delicado e quente que parecia pão-de-mel e chá de maçã.

sexta-feira, 24 de junho de 2016



De atenção contínua, imperturbável pela divisão dos segundos, pelo movimento dos ponteiros, número que some e dá lugar a outro nos relógios digitais, tudo existe e não há maiores ou menores formas de existir, nem com mais ou menos intensidade, nem há dentro ou fora, essa atenção-sujeito agindo e reagindo e indo e indo e indo, e sendo absorvida por aquilo que absorve e absorvendo aquilo que a absorve, e sendo, e sendo, a solidez sem forma, a fluidez que não passa, ser dois e ser dez e ser dez milhões e bilhões e incontáveis um só, sobre a linha invisível, no ponto de encontro, no centro da ponte que liga.

sexta-feira, 17 de junho de 2016



Sou você.

Ouço teu coração batendo em meu peito quando fecho os olhos. Antes era uma selva escura, um pântano habitado por mágoas incontáveis, nada mais nascia. Tua mão segurou a minha, camarada, nos dias de maior desencanto.

Quando eu já quase morria, tão único a ponto de achar possível que eu não merecesse a Terra. Ao teu lado me deitei mais uma vez na grama – e as estrelas eram outras e multiplicadas. Tua voz ressoava em mim tambores, ventanias e cascatas. Como é nascer de novo com o mesmo nome em um mesmo corpo, oh sim eu pude vê-la quando ela voltou, a vida, os raios de luz de muitas cores e de imensas asas explodindo em risos, gritos, lágrimas de maravilhamento.

Você veio, meu querido irmão, sentou-se ao meu lado no alto das chapadas e falou com ternura sobre os pescadores em seus barcos no Rio São Francisco, e caminhou comigo nas areias quentes e continentais do Nordeste e nos cafezais de Minas, e bebeu comigo a água gelada que escorria das bordas celestes do Monte Roraima, e chorou comigo aos pés do Monte Pascoal onde os Pataxós amam ainda os povos extintos pela ganância europeia, e dançou comigo em bailes do Sul e em boates paulistas e nos carnavais cariocas e perfumou de pitanga as minhas matas e do alto dos arranha-céus me fez ver de novo os caleidoscópios da cidade – homens e mulheres de todas as idades, etnias, línguas, crenças, profissões e nacionalidades vieram repovoar a minha alma que era então inteira o teu amor que sempre esteve em mim, o meu amor que sempre esteve nos teus versos que eu ignorava.

Sim, serei leal enquanto vivermos.

Sim, eu te confirmo a Eternidade.