sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

O moleque não entendia nada de bola e por isso nunca tinha saído do banco de reservas. Naquela tarde, sob a chuva, assistia calado enquanto seu time levava uma goleada dos meninos do outro bairro e com isso era eliminado do campeonato. Na hora do intervalo, o treinador escolhia as palavras pra tentar acertar o time e ainda infundir-lhes algum ânimo, o que não era uma tarefa nada fácil.

– O meio de campo tá meio enrolado – arriscou ele, devagar. Aí o moleque desatou a rir. Todos olharam ofendidos, sem conseguir decidir se lhe davam uma surra ou simplesmente o ignoravam.

– Não é que o meio de campo tá meio enrolado – explicou o moleque assim que recuperou o fôlego. – É que o meio de campo tá enrolado, os laterais tão se batendo, a zaga tá mais perdida que cego em tiroteio e o ataque ainda não viu a cor da bola. Mas a bola tá rolando ainda! Dá-lhe!

Seguiu-se um breve silêncio em que todos concluíram que, afinal, aquilo não era uma ofensa, mas um incentivo. O treinador aproveitou que tudo já tinha sido dito e se limitou a puxar aplausos repetindo “Dá-lhe!”, e verificou que alguns meninos estavam de fato recuperando o ânimo. Dispensou a equipe sem mais outras palavras: não havia chances de reverter o placar, mas ao menos ainda era possível perder com a cabeça erguida.

As coisas melhoraram um pouco no segundo tempo, e o time chegou mesmo a marcar um gol, além de evitar outros tantos da equipe adversária. Todo o time percebia a melhora, e com isso a confiança deles ia aumentando, também. Faltando alguns minutos pra acabar o jogo, tendo a derrota como certa, mas vendo seu time se esforçar como poucas vezes tinha visto, o treinador chamou o moleque pra ocupar o lugar do seu melhor atacante.

– Vai lá e acaba com eles, campeão!

E ele foi. Demorou muito tempo até que chegasse a encostar na bola. Já deviam estar nos últimos lances quando ela sobrou pra ele na intermediária. Curioso, o treinador prendeu a respiração e acompanhou:

O moleque não entendia nada de bola e mesmo assim queria sair dando drible. Os zagueiros pararam pra olhar: ele era tão sem jeito que se perguntavam se estaria mesmo falando sério. E o pior é que estava. Aproveitando a confusão da zaga, acabou passando pelo primeiro, pelo segundo, pelo terceiro – e marcou um gol já meio que perdendo o equilíbrio, caindo de lado sem que ninguém tivesse encostado nele. Um gol feio, mas gol é gol – como todo mundo sabe. O moleque rolou na lama e nem se levantou pra comemorar. Ficou lá deitado, os braços abertos e os olhos fechados, uma expressão da mais pura satisfação, sentindo a chuva cair no rosto.

Um comentário:

Anônimo disse...

Inspirador,assim que tem que ser!!! Amei