O
moleque não entendia nada de bola e por isso nunca tinha saído do banco de
reservas. Naquela tarde, sob a chuva, assistia calado enquanto seu time levava
uma goleada dos meninos do outro bairro e com isso era eliminado do campeonato.
Na hora do intervalo, o treinador escolhia as palavras pra tentar acertar o
time e ainda infundir-lhes algum ânimo, o que não era uma tarefa nada fácil.
–
O meio de campo tá meio enrolado – arriscou ele, devagar. Aí o moleque desatou
a rir. Todos olharam ofendidos, sem conseguir decidir se lhe davam uma surra ou
simplesmente o ignoravam.
–
Não é que o meio de campo tá meio enrolado – explicou o moleque assim que
recuperou o fôlego. – É que o meio de campo tá enrolado, os laterais tão se
batendo, a zaga tá mais perdida que cego em tiroteio e o ataque ainda não viu a
cor da bola. Mas a bola tá rolando ainda! Dá-lhe!
Seguiu-se
um breve silêncio em que todos concluíram que, afinal, aquilo não era uma
ofensa, mas um incentivo. O treinador aproveitou que tudo já tinha sido dito e
se limitou a puxar aplausos repetindo “Dá-lhe!”, e verificou que alguns meninos
estavam de fato recuperando o ânimo. Dispensou a equipe sem mais outras
palavras: não havia chances de reverter o placar, mas ao menos ainda era
possível perder com a cabeça erguida.
As
coisas melhoraram um pouco no segundo tempo, e o time chegou mesmo a marcar um
gol, além de evitar outros tantos da equipe adversária. Todo o time percebia a
melhora, e com isso a confiança deles ia aumentando, também. Faltando alguns minutos
pra acabar o jogo, tendo a derrota como certa, mas vendo seu time se esforçar
como poucas vezes tinha visto, o treinador chamou o moleque pra ocupar o lugar
do seu melhor atacante.
–
Vai lá e acaba com eles, campeão!
E
ele foi. Demorou muito tempo até que chegasse a encostar na bola. Já deviam
estar nos últimos lances quando ela sobrou pra ele na intermediária. Curioso, o
treinador prendeu a respiração e acompanhou:
O moleque não
entendia nada de bola e mesmo assim queria sair dando drible. Os zagueiros
pararam pra olhar: ele era tão sem jeito que se perguntavam se estaria mesmo falando
sério. E o pior é que estava. Aproveitando a confusão da zaga, acabou passando
pelo primeiro, pelo segundo, pelo terceiro – e marcou um gol já meio que perdendo
o equilíbrio, caindo de lado sem que ninguém tivesse encostado nele. Um gol
feio, mas gol é gol – como todo mundo sabe. O moleque rolou na
lama e nem se levantou pra comemorar. Ficou lá deitado, os braços abertos e os
olhos fechados, uma expressão da mais pura satisfação, sentindo a chuva cair no
rosto.
Um comentário:
Inspirador,assim que tem que ser!!! Amei
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