Olinda - PE
quarta-feira, 28 de junho de 2017
quase eu quase feito de semente e fruto, escuta, solitário deus sobre a
face das eras, carne e letra e direção, nem me despedaçar cala o silêncio dos
meus ossos, nem uma gota do meu sangue se perdeu quando eu sangrei, mas ouve,
esta é a verdade que você pediu, do pântano e das asas, vale das sombras e de
leite e mel, nenhum vão entre as esferas, interminável eu, inacabado e sim
sexta-feira, 23 de junho de 2017
Estou à janela conversando com meu Anjo.
– Não sei, – eu digo – tenho a impressão de que alguma coisa está errada.
– Não há nada – ele diz.
Pouca gente pelas ruas, uma noite preguiçosa e agradável. Você gostou da minha blusa nova? Estou alegre, isso é tão raro. Nada de errado? Nada?
– Então é isso – eu resmungo.
O Anjo dá risada. Amanhã posso acordar tarde, não tenho o que fazer e seria capaz de passar horas falando sobre coisas boas – não estou acostumado. Devia me preocupar em achar um trabalho condizente com a minha experiência, pra não dizer “com a minha idade”. Porque isso da idade não tem nada a ver, nem foi uma coisa que escolhi, como se hoje eu tivesse acordado entediado e pensado “O que eu vou fazer hoje? Já sei: vou ter quase quarenta anos”. E afinal o que é ter quase quarenta anos? Um número carregado de palavras e códigos de conduta (!?), invenções não sei de quem seguidas de acordo com os interesses de quem as segue. Interesses que não estou bem certo de que eu tenha.
– Estou pensando em aceitar aquele emprego no escritório do seu Lauro. O trabalho é simples e vou ter bastante tempo livre. Não vou ganhar mais do que estou ganhando agora, mas também não vou ganhar muito menos. Quer dizer, acho que na questão “custo-benefício”, eu saio ganhando. O que você acha? – O Anjo arqueia as sobrancelhas, “vai fundo, o que importa?”. Observo as montanhas, nuvens noturnas, o cheiro de uma primavera que já está chegando. – E acho que eu devia pedir a Larissa em casamento. Meu amor é suficiente. Sei lá, verdade que ela consegue ser bem estúpida, às vezes, mas eu também tenho os meus dias. Todo mundo tem seus dias. Acho que fui meio arrogante conversando com ela hoje, você não acha?
– Era o teu tempo – limita-se a dizer o Anjo. Por que toda essa paz excessiva? A brisa suave, um riso distante de criança. Você gostou mesmo do meu novo corte de cabelo? Um gole d’água, um suspiro, o sono começando a dar sinal. O Anjo se debruça à janela pra cuspir na calçada.
– Porco – eu digo.
E se tudo der errado, e se eu morrer de tédio no caminho que escolhi? E se eu morrer ignorado, esquecido por todos, sem um tostão furado no bolso – posso culpar meu Anjo, esse anjo torto que acaba de cuspir na calçada?
– Acho que vou meditar um pouco...
– Achei que você já estivesse fazendo isso.
– Estou?
Não consigo esconder uma pontada de irritação. E a fome no mundo, e a guerra eterna dos eternos oprimidos, e todo esse lixo do capitalismo inventando necessidades que não temos, e a violência, e a maldade, e, e...
– Acho que estou enlouquecendo...
Sem sair do lugar, o Anjo dá uma cambalhota. É uma manobra dos anjos que nem mesmo os anjos sabem explicar, mas que costuma divertir bastante as crianças.
– Nada de errado, nada?! E o que eu faço agora?
O Anjo me olha com uma cara de “quando é que você vai aprender isso?” e fala muito sério:
– Saboreia.
quinta-feira, 15 de junho de 2017
o futuro será sombrio, mas ainda temos um ao outro. mares de corações
petrificados, vastas florestas secas de braços e mãos incapazes de oferecer
afeto, inférteis auroras de recusas virão, mas ainda teremos um ao outro. ao
teu lado, um irmão sempre a postos pra um acolhimento enquanto a descrença
imperar, enquanto o vazio o tédio a indiferença escorrerem pelas ruas entre a
poeira e o sangue entre a inveja e o descaso, você não precisará ter medo, e eu
também não. ao meu lado, amiga de todos os pedaços naufragados do que fui
voltando finalmente à tona e navegando enfim sábio enfim seguro entre as portas
de arrogância fechadas multidões gritando eu sou mais sou melhor eu eu eu o
amor não existe o sonho é vão a noite é tudo, nada nos apagará, nada alimentará
amargura. enquanto tivermos um ao outro – abrigo, mel, esperança ventilada e
indevassável, nós, transbordantes e pra nós, em nós, teremos.
sexta-feira, 9 de junho de 2017
Tinha um jeito de promover o que é ruim pela crítica em vez de falar do que é bom se recusavam a ser os responsáveis pela própria raiva e tinha aquelas celas de siga-o-modelo eu tinha que caber ali ou nada feito mas não vem com essa de que a culpa a culpa a culpa a a a a. Aquela gente de plástico uma gente que ai-meu-deus-amadureça gente com preguiça de ser gente acho só pode. Tinha uma lá por exemplo reclamando cadê as pessoas inteligentes mais amor por favor é muita hipocrisia a que ponto chegamos e eu pensando minha querida mas também morro de tédio se sou eu que viro o pregador o moralista ou eu-que-sei o o o. Tenho que pedir licença que eu também sei reclamar mas gente que é isso não se faz outra coisa agora. A verdade meus queridos é que se a gente só ouve aquilo que quer é o mesmo que ficar falando sozinho a vida inteira e vá lá se você acha isso uma vida interessante mas só vou passar por aí de vez em quando. E estou acostumado isso não é uma reclamação mas quando uma pessoa não está a fim de te incluir você pode dizer exatamente o que ela pensa e ela vai te rejeitar só porque sei lá porque você colocou uma vírgula onde não devia diz-que. Ou você pode usar o argumento que destroça a lógica dela e ela vai dizer nada me atinge vindo de alguém que isso ou aquilo sendo que isso ou aquilo não tem nada a ver com o que está sendo discutido mas você não tem moral pronto já era. A verdade é que é muito discurso sobre os defeitos mas tudo bem às vezes eu também fico enjoado acho que não é bem essa a palavra às vezes eu também fico incrédulo com os discursos de amor e de bondade como se alguém tivesse uma fórmula ou uma cura que te faltasse e aí continua sendo sobre os teus defeitos. Tá vendo é tudo vento isso aí. A culpa não é de ninguém minha gente vão dormir se divertir um pouco ou só cuidar da própria vida gente que que custa.
sábado, 3 de junho de 2017
Perdi a medida dos extremos que eu pensava
equilibrar
Na vida há muito mais que só dois pratos na
balança
Ou duas pontas na gangorra
O ponto de equilíbrio avança e cada lado é o
outro e muitos outros
Perdi o rumo acreditando em fronteiras e
limites
Mapas que só existem na mente
Mentes mentindo a si mesmas sobre posse e
controle
Escolhendo o seu pouco pelo que lutar
Perdi a fé no significado das palavras
Essas arquiteturas ocas
Em que cada um assopra o ar que tem
Ou as mentiras que lhe deram
Perdi a conta de quantas dimensões tem meu corpo
Almatéria pulsante e vontade se movendo ou
sendo rejeitada
Percepção e tempo
A invenção do vazio e de qualquer totalidade
Perdi tanto e às vezes me ganhei
Algumas coisas doei sem pedir nada em troca
Só sei que nunca experimentei não ser
O resto é talvez
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