quinta-feira, 10 de agosto de 2017

– Tem dois jeitos de eu gostar desta rua – disse Jéssica. – No tempo das mangas e quando cai uma chuva rala nos fins de semana.

Ao longo de todo o canteiro central da avenida em que estávamos, havia mangueiras em que, segundo Jéssica, muita gente vinha colher mangas quando elas estavam maduras.

– Sabe aquelas chuvas que não chegam a molhar de verdade, mas são o suficiente pra derrubar a vontade das pessoas de saírem de casa? Fica tudo mais deserto... Aí eu gosto de andar por aqui.

Caminhávamos devagar sob o sol numa tarde quente de verão, e calculei que seria mesmo bem mais agradável andar por ali com um clima mais ameno e sem todo aquele barulho do tráfego.

Era a nossa última tarde juntos. Tinha ido visitá-la depois de quase cinco anos sem nos vermos, apenas trocando mensagens pela internet – e justamente porque o tom de suas mensagens andava me preocupando. Ela havia terminado um relacionamento longo no início daquele ano e, depois de um tempo decidida a curtir a vida sem se preocupar com as consequências de nada, mergulhou em um tipo de depressão que eu, de brincadeira, chamava em nossas conversas virtuais de “doçura evasiva”. “Pessoas que se acham inteligentes são dependentes demais do fogo”, protestava ela. “Também existe presença de espírito na fragilidade”.

E no entanto...


– Não se preocupe com os meus silêncios – ela me pediu naquela tarde. – A solidão não existe.

Aí eu me lembrei de um sonho que tinha tido havia muito tempo em que uma mulher parecida com ela me dizia: É muito cedo pra morrermos jovens.

Olhei pras mangueiras no centro da avenida, mas não enxergava mais o mundo à minha volta. Dentro de poucas horas estaria embarcando pra talvez mais cinco anos de saudades, e queria gravar a fundo a presença dela ao meu lado, aquela certeza de que ela estava ali, doce e evasiva ou presente e frágil ou o que fosse, desde que Jéssica.

Um comentário:

AM disse...

muito bom..me faz reflete..