–
Tem dois jeitos de eu gostar desta rua – disse Jéssica. – No tempo das mangas e
quando cai uma chuva rala nos fins de semana.
Ao
longo de todo o canteiro central da avenida em que estávamos, havia mangueiras
em que, segundo Jéssica, muita gente vinha colher mangas quando elas estavam
maduras.
–
Sabe aquelas chuvas que não chegam a molhar de verdade, mas são o suficiente
pra derrubar a vontade das pessoas de saírem de casa? Fica tudo mais deserto...
Aí eu gosto de andar por aqui.
Caminhávamos
devagar sob o sol numa tarde quente de verão, e calculei que seria mesmo bem
mais agradável andar por ali com um clima mais ameno e sem todo aquele barulho
do tráfego.
Era
a nossa última tarde juntos. Tinha ido visitá-la depois de quase cinco anos sem
nos vermos, apenas trocando mensagens pela internet – e justamente porque o tom
de suas mensagens andava me preocupando. Ela havia terminado um relacionamento
longo no início daquele ano e, depois de um tempo decidida a curtir a vida sem
se preocupar com as consequências de nada, mergulhou em um tipo de depressão
que eu, de brincadeira, chamava em nossas conversas virtuais de “doçura
evasiva”. “Pessoas que se acham inteligentes são dependentes demais do fogo”,
protestava ela. “Também existe presença de espírito na fragilidade”.
E
no entanto...
–
Não se preocupe com os meus silêncios – ela me pediu naquela tarde. – A solidão
não existe.
Aí
eu me lembrei de um sonho que tinha tido havia muito tempo em que uma mulher
parecida com ela me dizia: É muito cedo pra morrermos jovens.
Olhei
pras mangueiras no centro da avenida, mas não enxergava mais o mundo à minha
volta. Dentro de poucas horas estaria embarcando pra talvez mais cinco anos de
saudades, e queria gravar a fundo a presença dela ao meu lado, aquela certeza de
que ela estava ali, doce e evasiva ou presente e frágil ou o que fosse, desde
que Jéssica.
Um comentário:
muito bom..me faz reflete..
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